O segundo semestre do ano que se inicia deve ter excesso de chuva e alta frequência de tempo severo no Sul do Brasil, alerta a MetSul Meteorologia
Os extremos no clima tendem a aumentar principalmente na segunda metade do inverno, entre agosto e setembro, e atingir o seu pico na primavera, que pode ser por demais chuvosa e com muitas tempestades.
O fenômeno El Niño foi declarado em andamento na segunda semana de junho pela NOAA, a agência de tempo e clima do governo dos Estados Unidos, mas os seus efeitos não são sentidos em toda a sua extensão de forma imediata. A atmosfera ainda tarda um pouco para começar a responder ao aquecimento do Pacífico.
O principal indicador atmosférico de El Niño e La Niña responde pelo nome Índice de Oscilação Sul (SOI, em Inglês). Quanto mais positivo, maior o sinal de La Niña, e quanto mais negativo será maior o sinal de El Niño. Estudos mostram um tempo de resposta médio de dois a três meses às mudanças no Pacífico. Uma vez que a SOI despencou em maio, a tendência é que nas próximas semanas gradualmente os efeitos na chuva comecem a ficar mais evidentes.
Conforme o último boletim semanal da Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera (NOAA), dos Estados Unidos, a anomalia de temperatura da superfície do mar era de 1,0ºC na denominada região Niño 3.4, no Pacífico Equatorial Central, que é usada oficialmente para definir se há um El Niño na forma clássica e de impacto global. O valor está na faixa de El Niño moderado (+1,0ºC a +1,4ºC).
Por outro lado, a região Niño 1+2, estava com anomalia de +2,9ºC, em nível de El Niño costeiro muito intenso junto aos litorais do Peru e Equador, aquecimento extremamente significativo que persiste desde o mês de fevereiro e que precedeu o aquecimento do Pacífico Centro-Leste (região Niño 3.4).
A tendência é que o El Niño atinja o seu pico de intensidade durante o último trimestre deste ano e, conforme a maioria das simulações, deve ser forte a muito forte no seu auge com anomalias de +1,5ºC a +2,0ºC na região Niño 3.4. Há modelos com alto índice de acerto, porém, indicando que durante o último trimestre de 2023 (outubro a dezembro) o El Niño poderia ser ainda mais intenso, em patamar de Super El Niño, com anomalias acima de +2ºC.
O segundo semestre não apenas deve ter o El Niño impactando fortemente o clima. O planeta adentra fase de aquecimento sem precedentes na era observacional com múltiplas ondas de calor marinhas recordes ao redor do mundo e cobertura de gelo marinho em níveis baixos recordes na Antártida.
Impressionam, e até causam temor, as projeções de anomalia de temperatura da superfície do mar para o último trimestre deste ano. Grande parte das águas dos oceanos do planeta estará com águas mais quentes ou muito mais quentes do que o normal, ou seja, a Terra vai estar muito quente, como talvez jamais se viu na era de observações.
A superposição de El Niño com outros extremos de aquecimento oceânico esquentará demais o planeta e o clima vai estar muito propício a extremos, não apenas no Sul do Brasil como em outras partes do país e do mundo. Os principais efeitos extremos devem ser chuva em excesso, ondas de calor potentes, ciclones e tempestades severas.
Os efeitos do El Niño na chuva ficarão muito evidentes neste segundo semestre com aumento enorme dos índices de precipitação no Sul do Brasil e uma redução expressiva da chuva no Norte e no Nordeste do país. Quanto ao Centro-Oeste e parte do Sudeste, há relativa discrepância dos modelos porque são regiões em que o sinal de El Niño costuma variar muito na chuva, conforme o episódio.
O grande foco é mesmo o Sul do Brasil porque será a região do Brasil que devem mais ser afetada pelo El Niño em seu regime de precipitação. Há um consenso entre as simulações de clima por computador que esta segunda metade do ano será excessivamente chuvosa na Região Sul.
Embora os efeitos do El Niño sejam sentidos no Paraná, os estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina tradicionalmente são os mais afetados por evento de El Niño e não deverá ser diferente neste episódio que se inicia.
Os principais modelos internacionais de clima concentram os principais extremos de chuva neste segundo semestre mais nos estados gaúcho e catarinense, embora se reitere haja previsão de eventos de muita chuva também no Paraná. Os mapas a seguir mostram as projeções de anomalia (desvio da média) de chuva para os trimestres de inverno (JJA) e primavera (SON) do modelo SEAS5 do Centro Meteorológico Europeu (ECMWF).
Na mesma linha, a projeção do modelo de clima do Met Office do Reino Unido aponta que o Rio Grande do Sul e Santa Catarina devem ter os maiores desvios de chuva nos dois trimestres, de inverno e primavera, com as maiores anomalias concentradas principalmente no território gaúcho.
A MetSul antecipa, por experiência histórica, que muito provavelmente as anomalias de chuva em alguns meses devem ficar acima a muito acima das indicadas pelos modelos, ou seja, o cenário de chuva excessiva pode ser ainda pior que o indicado pelos modelos de clima.
Sob este cenário, este segundo semestre tem uma alta probabilidade de eventos extremos de chuva com acumulados de precipitação altíssimos em sequências de poucos dias, um número de dias de precipitação muito acima do que costuma se observar na climatologia histórica e episódios de precipitação muito intensa com elevados volumes em curto intervalo (100 mm a 200 mm em poucas horas).
Assim, o quadro que se desenha para a segunda metade do ano é extremamente propício a várias ocorrências de cheias de rios e enchentes que podem ser de grandes proporções em alguns casos com grande número de pessoas afetadas. O risco de deslizamentos será grande neste episódios de chuva extrema assim como de alagamentos e de perigosas inundações repentinas. Ademais, haverá impactos na agricultura com prejuízos para a safra de trigo e atrasos expressivos na semeadura da safra de verão.
A tendência é de um segundo semestre de ano com temperatura acima a muito acima das médias históricas, conforme a região do Centro-Sul do Brasil. Os maiores desvios positivos em relação às normais climatológicas tendem a ocorrer no Centro-Oeste e no Sudeste, no caso do Centro-Sul do país.
Os mapas abaixo mostram as projeções de anomalia de temperatura para os trimestres de inverno (JJA) e primavera (SON) do modelo SEAS5 do Centro Meteorológico Europeu (ECMWF), em que se constata a perspectiva de temperaturas acima dos padrões históricos durante esta segunda metade do ano.
Médias escondem extremos de frio e calor. Assim, embora a tendência de temperatura acima das médias históricas, não deixará de fazer frio. Apenas que os episódios de frio tendem a ser menos frequentes e os intensos ainda menos numerosos, mas vão ocorrer. A segunda semana de julho agora, por exemplo, pode ter uma incursão de ar frio mais forte com mínimas bastante baixas.
O que se espera para os próximos meses é um alto número de dias de temperatura elevada. A ocorrência de calor será mais frequente. No caso do Sul do Brasil, com a maior umidade prevista, naturalmente ocorrerão dias mais abafados. Cresce o pico de extremos de temperatura alta no final do inverno e na primavera. No Centro-Oeste e no Sudeste, antes do começo da estação chuvosa, podem ser registrados dias de excessivo calor e até recordes em algumas cidades.
O final do inverno e a primavera são, por regra, um período de maior frequência de temporais no Centro e no Nordeste da Argentina, Uruguai, Paraguai, Sul do Brasil e parte do Centro-Oeste. Com El Niño, a tendência é de um maior número de temporais neste ano.
Como a perspectiva é de precipitação acima da média e temperatura acima dos padrões normais nos próximos meses, o risco de temporais mais frequentes é uma altíssima probabilidade. Calor e umidade são os combustíveis para a formação de sistemas convectivos de tempestades.
Devem ser esperados mais ocorrências na primavera de Complexos Convectivos de Mesoescala, grandes aglomerados de nuvens carregadas com muita chuva e temporais, que se formam no Nordeste da Argentina e o Paraguai e atingem sua máxima intensidade à noite, quando muitas vezes avançam para o Centro-Oeste e o Sul do Brasil.
Por isso, em anos de El Niño, o Oeste do Sul do Brasil costuma ser uma região que sofre bastante com tempestades e eventos de chuva extrema durante a primavera. Outubro e novembro são meses de alto risco de episódios mais extremos de precipitação e tempo severo em anos com o Pacífico aquecido.
Primaveras de El Niño fortes a intensos possuem histórico de episódios de tempo severo graves. Em 1997, no Super El Niño daquele ano, um grave tornado atingiu o Oeste gaúcho, em Itaqui. Em outubro de 2015, também sob Super El Niño, violento temporal de granizo causou muita danos em Canoas, na Grande Porto Alegre. A tempestade foi severa também em Porto Alegre com vendaval e granizo.