Em 2023, o Brasil bateu recorde de ocorrências de desastres hidrológicos e geohidrológicos, conforme dados divulgados pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). O Rio Grande do Sul concentrou grande parte dos alertas emitidos e o maior percentual de mortes. O Estado registrou 56% (74 óbitos) do total de óbitos associados a eventos relacionados à chuva no país.
As informações foram divulgadas dia 17 pelo Cemaden, durante a reunião mensal de avaliação e previsão de impactos de eventos extremos.
No país, foram registrados 1.161 eventos de desastres – uma média de três por dia –, sendo 716 associados a eventos hidrológicos, como transbordamento de rios, e 445 de origem geológica, como deslizamentos de terra.
A maior parte das ocorrências está localizada na faixa leste do país. Elas seguiram o padrão de locais para onde foram enviados os alertas, com concentração nas capitais e regiões metropolitanas, segundo o Cemaden. Manaus (AM) lidera o ranking dos municípios.
Ranking dos 10 municípios com mais ocorrências de desastres:
Manaus (AM): 23
São Paulo (SP): 22
Petrópolis (RJ): 18
Brusque (SC): 14
Barra Mansa (RJ): 14
Salvador (BA): 11
Curitiba (PR): 10
Itaquaquecetuba (SP): 10
Ubatuba (SP): 9
Xanxerê (SC): 9
No total, 3.425 alertas foram emitidos – em média, nove por dia –, sendo 1.813 alertas hidrológicos e 1.612 alertas geohidrológicos. Apesar de o país ter batido recorde de ocorrências de desastres, esta é a terceira maior quantidade de emissão de alertas desde a criação do centro, em 2011. A maior parte foi enviada a regiões metropolitanas, ao Vale do Taquari (RS) e ao Vale do Itajaí (SC). Em relação aos municípios, Petrópolis (RJ) lidera.
Ranking dos 10 municípios com mais alertas de desastres emitidos:
Petrópolis (RJ): 61
São Paulo (SP): 56
Manaus (AM): 49
Belo Horizonte (MG): 40
Rio de Janeiro (RJ): 35
Juiz de Fora (MG): 34
Angra dos Reis (RJ): 30
Recife (PE): 26
Teresópolis (RJ): 25
Nova Friburgo (RJ): 25
Segundo o Cemaden, o ano de 2023 ficou marcado por dois grandes desastres: deslizamentos de terra em São Sebastião, no litoral norte de São Paulo, em fevereiro, que provocaram 64 mortes; e a enxurrada no Vale do Taquari, em setembro, com 53 mortes e cinco pessoas ainda desaparecidas. Ambos estão relacionados com volumes de chuva expressivos concentrados em poucas horas, segundo a diretora do Cemaden, Regina Alvalá. Ela afirma que o centro emitiu alertas antecipados, com 48 horas de antecedência para o evento do litoral de São Paulo, e com cinco dias para o episódio no RS.
Em 2023, houve 132 mortes associadas a eventos relacionados à chuva – sendo 56% do total apenas no RS (16 pessoas morreram em junho, 53 em setembro e cinco em novembro). Além disso, nacionalmente, 9.263 pessoas ficaram feridas ou enfermas. Houve ainda 74 mil desabrigados e 524 mil desalojados no país.
As regiões mais afetadas foram o Sul, regiões metropolitanas das grandes capitais, vale do Maranhão, sudeste do Pará e municípios ribeirinhos do rio Amazonas. Os dados constam no relatório de danos informados do Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2ID), do Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional, sobre os impactos dos eventos extremos.
Entre os danos materiais, o sistema aponta prejuízos de R$ 2,87 bilhões em obras de infraestrutura pública, R$ 310 milhões em instalações públicas e R$ 1,92 bi em unidades habitacionais. Já os prejuízos econômicos informados atingiram R$ 13,64 bi na área privada e R$ 11,26 bi na pública.
A temperatura média global ficou 1,45ºC acima dos níveis pré-industriais (1850-1900) em 2023, de acordo com a Organização Meteorológica Mundial (OMM). Segundo o centro, a temperatura mais quente contribui globalmente para a intensificação de chuva e enxurradas, ciclones extratropicais com potencial destrutivo, mortes e prejuízos econômicos.
Climatologista, professor e chefe do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Francisco Aquino considera os dados "extremamente importantes", pois demonstram o impacto dos eventos extremos, das mudanças do clima e do El Niño em 2023 no Brasil – e em especial no Rio Grande do Sul.
"Todos os eventos extremos, praticamente ondas de calor, precipitação, estiagem, seca na Amazônia, foram recordes. E não podemos negar que o impacto do El Niño, em eventos extremos de precipitação, foi extremamente forte, muito acima do esperado e do já registrado", avalia, citando a região costeira do Brasil desde a Bahia, com destaque para o RS.
A tendência para 2024 é continuar sob a influência do El Niño, o que implicará, pelo menos até o início do inverno, manutenção de eventos extremos, como tempestades severas e riscos de inundações no país. E, por consequência do fenômeno meteorológico e da mudança climática, 2024 deve ficar entre os cinco anos mais quentes deste século. Além disso, a mudança climática em curso e sua intensificação criam o ambiente atmosférico propício no Sul para o contraste entre as interações trópico-polo, explica o professor: "Nas últimas duas décadas e meia, observei que, nessa interação, os eventos extremos são amplificados em frequência e intensidade, e muitos deles com impacto direto em solo gaúcho. Para as próximas duas, quatro décadas, sem dúvida alguma, vamos observar esses eventos com maior recorrência".
O climatologista enfatiza o papel e a precisão dos alertas emitidos. Contudo, lembra que, mais do que nunca, será exigida uma dedicação maior à compreensão dos riscos e das vulnerabilidades – inclusive pela sociedade, que nem sempre compreende a magnitude após os avisos.
"As pessoas não acreditaram na informação que é emitida pelo poder público", afirma o coronel Marcus Vinícius Oliveira, subchefe da Defesa Civil do RS, a respeito dos alertas, ressaltando a necessidade de boa comunicação e de conscientização da população.
Na avaliação da diretora do Cemaden, Regina Alvalá, os números indicam que os alertas ainda esbarram na falta de estruturação das defesas civis municipais. Para ela, é importante que os municípios fortaleçam as estruturas de defesa civil para que consigam agir preventivamente e atuar rapidamente frente a um alerta. Isso inclui ações como planos de contingência, mapeamento das áreas de riscos, informações sobre as condições de saúde das populações mais vulneráveis, preparação de abrigos e rotas de fuga.
O subchefe da Defesa Civil do RS destaca que tem procurado promover um trabalho preventivo junto aos órgãos municipais, responsáveis pela resposta inicial e por estruturar os planos de contingência.
"Estão sendo cada vez mais frequentes esses eventos. É necessário cada vez mais as estruturas públicas estarem preparadas para ações de prevenção, ou seja, comunicar bem a comunidade de questões de autoproteção e estruturas de segurança pública. Mas também estar aptos a dar uma boa e imediata resposta e restabelecimento a partir desses eventos, para que a população não sofra ainda mais", pontua Oliveira.
No trabalho para o enfrentamento e redução do impacto das mudanças climáticas, o coronel destaca que o Estado tem desenvolvido projetos de compromisso ambiental: um aporte de R$ 193 milhões para o meio ambiente em 2022, sendo R$ 115 milhões para projetos do clima; a transferência de recursos do fundo estadual da Defesa Civil para fundos municipais, com base em exigências específicas para a qualificação de estruturas; ações de combate à estiagem; planejamento de financiamento de kits de equipamentos para as defesas municipais; novas ferramentas de monitoramento; entre outros.
Unidade de pesquisa vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais monitora ininterruptamente 1.038 municípios, que representam 18,6% das cidades do país e abrangem 55% da população nacional. O trabalho é realizado todos os dias por especialistas das áreas de hidrologia, geodinâmica, meteorologia e vulnerabilidades.