Quando o assunto é especiarias, o sonho de consumo de quem se aventura na cozinha atende pelo nome de açafrão
Não, não estamos nos referindo ao açafrão-da-terra, também conhecido como cúrcuma, abundante e acessível, mas do condimento extraído de flores que nascem no outro lado do mundo, cujo grama é comercializado até por R$ 115,00 (*).
Popular na gastronomia mediterrânea, principalmente na espanhola, açafrão vem do árabe "za'faran", que significa "amarelo", segundo Nelusko Linguanotto Neto, autor de "Dicionário Gastronômico: Ervas & Especiarias", lançado pela Bombay Herbs & Spices.
Seu cultivo é antigo — data de 1.552 a.C. —, quando era usado pelos egípcios para fins medicinais e como planta sagrada oferecida ao deus do Sol. De acordo com Nelusko, os babilônios o usavam na fabricação de essências aromáticas e os gregos, em tinturas de cabelo. Atualmente, Irã e Espanha são os grandes responsáveis pela produção mundial da especiaria.
Não é pela necessidade de atravessar oceanos que o açafrão é tão caro. O valor elevadíssimo é justificado pela dificuldade de cultivo e a delicada colheita. Afinal, a especiaria vem de uma flor de cor lilás, com três únicos pistilos vermelhos, sendo a fonte desse "ouro da gastronomia".
Para se obter 1 quilo de açafrão, são necessárias em torno de 200 mil flores de Crocus sativus, o nome científico da planta que gera a especiaria. A especiaria pode ser encontrada em pistilo ou estigma, que é a abertura superior do pistilo.
"A colheita é feita manualmente no dia da floração para preservar o sabor intenso e a deliciosa fragrância, sendo um processo demorado. Os estigmas são cuidadosamente extraídos da flor para serem secos e levemente tostados sobre fogo indireto. Este processo serve para desidratar e intensificar o aroma", explica a chef Jaqueline Baraúna, professora do curso de gastronomia na Universidade São Judas.
Existe até um padrão internacional para classificar o açafrão, o ISO 3632, da International Organization for Standardization. Laura Rowe cita em "O livro dos sabores: tudo que você sempre quis saber sobre alimentos" (Publifolha), que a autenticidade da especiaria é medida por quesitos como a quantidade de crocina, picrocrocina e safranal, responsáveis pela cor, sabor e aroma, respectivamente. Quanto mais altos os níveis, melhor!
Muita gente confunde, mas o açafrão não tem nada a ver com a cúrcuma, popularmente chamada de açafrão-da-terra. Enquanto o verdadeiro vem de uma flor e é vermelho, o outro é uma raiz parecida com o gengibre e seu tom é alaranjado.
"Os tons apenas se parecem, mas são bem diferentes. A cúrcuma deixa o prato com um amarelo bem mais forte", comenta o chef e professor de gastronomia Marcelo Faria.
No sabor, o açafrão originário da flor se mostra delicado, com uma pegada de almíscar e terra. O açafrão-da-terra também é meio terroso e ligeiramente cítrico, por isso acaba sendo substituto do verdadeiro na preparação de pratos.
Por conta do alto valor, não é raro que o açafrão seja falsificado, principalmente quando disponibilizado em pó. De cara, vale lembrar: se for barato, não é o original de jeito nenhum.
Quem optar pela versão em pó, deve fazer a escolha consciente do risco ou só adquiri-lo de produtores de alta confiança. Para não ser enganado, melhor comprar em forma de pistilo ou estigma, sempre.
(*) Valor pesquisado em 01/05/23.