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Publicado em 26/05/2023 19:30:00 • Meteorologia

O inverno de 2023 vai ser rigoroso?

Veja como o clima se comportou na estação, na história recente sob El Niño
Clássica foto da neve na Praça Matriz de Cerro Largo, em 20 de agosto de 1965 (ano de El Niño)

Chegada do inverno nas próximas semanas alimenta a expectiva de dias gelados, mas em 2023 o clima vai estar sob a influência de forte aquecimento do Pacífico e um provável El Niño

Uma das perguntas que mais ouvimos de vizinhos, amigos e de muitos de vocês nas redes sociais é se o inverno vai ser frio, ou se o inverno vai ser rigoroso neste ano. Todo o ano é a mesma dúvida e justa, afinal existem anos em que o frio é mais persistente e intenso, embora invernos mais gelados tenham se tornado menos frequentes com as mudanças no clima

Antes de começar a responder ao questionamento é preciso explorar o conceito de inverno rigoroso. Mas, afinal, o que faz a estação ser rigorosa? Não existem critérios objetivos que estejam na literatura técnica. É algo essencialmente de percepção e, como estamos mais que acostumados a ver nas mídias sociais em comentários, cada pessoa percebe o clima de forma diferente.

Em regra, e para a maioria das pessoas, um inverno rigoroso seria de temperatura baixa muito frequente e meses mais frios do que a média. Mas, para outros, um inverno nem tão frio, mas muito úmido, pode parecer duro de enfrentar. Quantas vezes ouvimos das pessoas que elas preferem frio intenso e seco a umidade.

Então, faltam poucos dias para o começo do chamado inverno meteorológico, o período que na climatologia é compreendido pelo trimestre de junho a agosto. É diferente do inverno pelos critérios astronômicos que só tem início no dia 21 de junho, às 11h58min.

Neste ano, é altamente provável que tenhamos em cena um velho conhecido influenciando o clima na estação: o fenômeno El Niño. Caracterizado pelo aquecimento anômalo das águas superficiais do Oceano Pacífico na região equatorial, o fenômeno altera o padrão de circulação geral da atmosfera no planeta e mexe com o clima em todo o mundo, inclusive no Brasil.

A última vez que o trimestre de inverno (junho a agosto) teve anomalias de temperatura do mar em padrão de El Niño no Pacífico foi em 2015, quando começou o Super El Niño do biênio 2015-2016. O trimestre teve temperatura acima a muito acima da média no Sul, no Sudeste e no Centro-Oeste, exceção do Espírito Santo. A estação foi de chuva acima da média em grande parte do Sul do Brasil.

Na penúltima vez, o trimestre de inverno com índice ONI (Ocean Niño Index) com padrão de El Niño se deu em 2009. A chuva ficou acima da média em quase todo o Sul do Brasil, exceção de áreas do Centro para o Oeste e o Sul gaúcho, e também em muitas áreas do Centro-Oeste e do Sudeste, especialmente em São Paulo e Mato Grosso do Sul. Já a temperatura ficou perto da média em quase todo o Centro-Sul do país, embora alguns poucos locais com marcas acima das normais climatológicas.

Já a antepenúltima vez de trimestre com El Niño presente ocorreu em 2004. A temperatura média dos três meses ficou abaixo da média no Mato Grosso do Sul, São Paulo e parte do estado do Paraná enquanto nos demais estados predominaram marcas perto da climatologia histórica. Era um El Niño fraco e a estação teve chuva abaixo da média na maior parte do Centro-Sul do Brasil, exceto por pontos do Mato Grosso do Sul, o litoral de São Paulo e o Rio de Janeiro.

O que mostram os modelos de clima para este inverno

Como visto, não se observou um padrão de clima claro no inverno nos últimos três trimestres da estação sob anomalias positivas de temperatura da superfície do mar no Pacífico. Conforme o evento, ou choveu ou mais ou menos, ou fez mais ou menos frio, em diferentes regiões.

No entanto, se depender dos modelos de clima, gerados por supercomputadores e uma das ferramentas de maior importância em projeções de longo prazo, o inverno de 2023 terá muito mais características de 2015 do que 2004 ou 2009 na temperatura. Já a chuva ficaria um sinal intermediário entre 2009 e 2015, dois anos em que a precipitação aumentou muito durante a segunda metade da estação astronômica.

Os mapas apresentam a projeção de anomalia de temperatura no Centro-Sul do país no trimestre junho a agosto dos modelos NMME (North America Ensemble Model), que é uma mescla de vários modelos, do norte-americano CFS, do europeu Nemo, e do GEOS da agência espacial norte-americana NASA.

Todos os modelos estão apontando o mesmo sinal: temperatura acima da média no Centro-Sul do Brasil. As maiores anomalias positivas são indicadas para o Brasil Central, em particular no Centro-Oeste e parte de Minas Gerais. A projeção que desvia um pouco é a do modelo da NASA que antecipa mais frio do que o normal para áreas próximas da costa do Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

Os dois principais modelos de clima europeus, operados pelo Centro Meteorológico Europeu (ECMWF) e o Sistema Copernicus, o C3S e o SEAS5, indicam cenário muito parecido para os três meses do inverno climático com temperatura acima da média e muito acima da média numa área entre o Planalto Central, Minas Gerais e o interior de São Paulo. Os mapas mostram as projeções para junho, julho e agosto do modelo SEAS5.

Outro dos muitos modelos de clima que trabalhamos para prognósticos ao público e clientes é o do Met Office, o serviço meteorológico do Reino Unido. Assim como os demais europeus e a maioria dos norte-americanos, o modelo inglês da mesma forma aponta mês a mês marcas que ficariam acima da climatologia normal de forma generalizada.

Modelos não são infalíveis e erram, mas as condições gerais da atmosfera previstas para este inverno e a enorme concordância entre a grande maioria das simulações parece apontar mesmo para uma estação com temperaturas acima das médias climatológicas.

Vai fazer frio no inverno

Um inverno de temperatura acima da média não significa um inverno sem frio. O que ocorre é uma menor frequência de dias frios com menos episódios de temperatura muito baixa quando se compara a anos de La Niña. Assim, embora indicativos de El Niño e dos modelos de marcas acima dos padrões históricos, alguns dias gelados devem ser esperados.

No último inverno que transcorreu sob Pacífico quente, no Super El Niño de 2015, os dias de frio mais intenso foram poucos, mas não deixaram de ocorrer. Porto Alegre, por exemplo, teve 4,5ºC no dia 16/6/2015 e 4,7ºC no dia 19/6/2015. Mínimas abaixo de 5ºC no Jardim Botânico são um parâmetro de frio intenso e ocorrem poucas vezes por ano na cidade. Foram apenas dois dias em 2015 com menos de 5ºC na estação, mas no ano passado sob La Niña foram quatro.

A natureza, sempre importante lembrar, é pródiga em pregar peças. Normalmente, sob El Niño, a chance de nevar diminui bastante no Sul do Brasil. O maior evento de neve no Rio Grande do Sul nos últimos setenta anos, entretanto, ocorreu sob o muito forte El Niño de 1965-1966.

Em agosto de 1965, o Pacífico estava bastante quente (ONI de 1,5) e foi um mês memorável por dois grandes eventos. Um episódio extremo de chuva que causou enchentes históricas na Metade Norte gaúcha e uma grande nevada que cobriu de branco uma enorme área do estado gaúcho. Nevou com grandes a enormes acumulações em cidades como Cerro Largo, Santa Rosa, Cruz Alta, Ijuí, Palmeira das Missões, Carazinho, Passo Fundo, Soledade, que normalmente não têm neve maior pelas suas menores altitudes.

Se você perguntar para quem testemunhou a nevada de 1965 sobre o seu inverno inesquecível possivelmente ouvirá que foi naquele ano, embora não tenha sido um inverno que possa se dizer rigoroso. Isso porque pessoas não calculam temperaturas médias, mas recordam-se de eventos marcantes, e eventos não contam a história de toda uma estação.

Assim, sob a regra de que um inverno rigoroso é aquele em que o frio é mais constante e forte, a estação em 2023 tem altíssima probabilidade de não ser rigorosa e, ao contrário, ter baixo número de episódios de ar polar intenso com predomínio de dias de marcas acima dos padrões climatológicos. Da mesma forma, a estação neste ano tem a tendência de apresentar um significativo aumento dos índices de precipitação no Sul do Brasil, em particular na sua segunda metade.

Fonte: Estael Sias / MetSul Meteorologia
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