Um restaurante que garante trabalhar com "cordeiro Angus ", um produtor que tenta obter a certificação dessa raça mesma para seus "peixes", e um estabelecimento que oferece qualquer bife marmorizado como se fosse um caríssimo Wagyu.
Parece bizarro, mas na tentativa de valorizar o produto, não são raros os casos de restaurantes que tentam vender "gato por lebre" — os dois primeiros casos. Para o consumidor, evitar cair nesse tipo de armadilha ao comer fora de casa pode ser um grande desafio.
O Brasil é o segundo maior produtor mundial de carne bovina, com mais de oito milhões de toneladas produzidas anualmente - perdendo apenas para os Estados Unidos.
"Em um mercado tão grande, o consumidor tem o direito de saber exatamente o que está comprando", diz Sylvio Lazzarini, dono do restaurante Varanda Grill, que recomenda que o cliente pergunte ao restaurante a marca ou o frigorífico que forneceu o produto para descobrir se a peça é certificada ou não.
Para Chico Mancuso, argentino que comanda o restaurante Rincon Escondido, tem como saber sim, mas não é fácil. "Minha dica é sempre prestar atenção na peça de carne. A picanha, por exemplo, tem um tamanho e um formato que dá para identificar só olhando", diz.
Segundo o Chef, uma dificuldade peculiar do Brasil é que, por aqui, a certificação de origem de carnes nobres se dá pela espécie do boi. "Isso pode dificultar um pouco, porque em países como os Estados Unidos, já se trabalha com o grau de marmoreio [a gordura que entremeia a carne e acresce sabor e maciez] do corte, para se saber o nível de qualidade".
De acordo com o Ministério da Agricultura e Pecuária, cabe às associações de criadores de bovinos conceder ao produto final um selo que garanta a sua rastreabilidade, com acompanhamento técnico que vai desde o nascimento do animal até ele chegar no prato.
Para um produtor obter essa certificação, o custo pode variar entre R$ 40 mil e 60 mil — um dos motivos pelos quais pratos com cortes nobres de verdade custam tanto caro.
"Minha outra dica é prestar atenção no marmoreio da peça. Se você serve um bife de Angus e você vê que não tem nada de marmoreio, as chances de estar sendo enganado é grande", conta o especialista em churrasco.
Os cortes de Angus citadas por Chico são um dos mais pedidos em restaurantes especializados em carnes. Uma raça de boi originária da Escócia é mundialmente conhecida por tornar bifes macios, saborosos e suculentos, mas isso custa caro.
Então sempre vale a pena perguntar: é Angus mesmo?
"O gado Angus chega a ter um preço 25% maior se comparado aos demais", afirma Lazzarini. No caso dessa espécie, a certificação é de responsabilidade da Associação Brasileira de Angus, por meio do Programa Carne Angus Certificada, lançado em 2003.
"Para que a carne seja certificada, existe todo um protocolo em que são avaliados desde o fenótipo até o acabamento da carcaça e a qualidade da gordura", conta Ana Menezes, gerente nacional do programa. Outra exigência é ter, no mínimo, 50% da genética Angus. "São aspectos que influenciam na qualidade do produto final".
Se tomados como base os números do comércio de sêmem da espécie no país, estimam-se, no entanto, que mais da metade dos animais ainda não passa por esse processo de certificação.
No caso da Associação de Angus, existem canais no site e nas redes sociais da entidade para receber denúncias de irregularidades, como a tentativa de venda de cordeiro e peixe com nome de raça bovina.
"O consumidor precisa ser educado a atentar mais para a origem da carne", defende Ana. Ela conta que o Programa Carne Angus Certificada foi o primeiro do tipo por aqui e, inspirado em modelos internacionais, seus protocolos serviram de base para a criação de outros programas similares, como o que atesta a origem dos cortes de Wagyu.
No Brasil, os primeiros exemplares chegaram em meados dos anos 1990, dando origem à Associação Brasileira dos Criadores de Bovinos das Raças Wagyu, que hoje legitima as raças japonesas com o Programa Carne Wagyu Certificada.
"Isso é feito para garantir que o produto seja tratado com rastreabilidade 100% certificada", diz Iris Santana, certificadora do programa.
No caso de cortes importados, a certificação deve ser feita no país de origem. Para a carne wagyu, há ainda diferentes classificações da Japan Meat Grading Association, que atribui notas a características como marmoreio e nível de maciez.