


Diversas pesquisas estão avaliando a eficácia e segurança de imunizantes que estimulam o sistema imunológico a atacar células cancerígenas; entenda em que pé está esse desenvolvimento
Recentemente, uma vacina experimental mostrou efeitos promissores no combate ao câncer em estudo, e se mostrou uma forte candidata a imunizante universal contra a doença. Mas, além dela, diversas outras vacinas estão sendo desenvolvidas e testadas ao redor do mundo para combater diferentes tipos de câncer -- e muitas têm trazido resultados animadores.
De maneira geral, as vacinas contra o câncer têm como objetivo "ensinar" o nosso sistema imunológico a reconhecer e atacar células tumorais -- assim como ele faz com vírus e bactérias, por exemplo. Muitos desses imunizantes testados utilizam informações dos tumores dos próprios pacientes, como mutações específicas -- são as chamadas "vacinas personalizadas", adaptadas ao câncer específico de cada pessoa.
"O intuito da vacina é, justamente, fornecer para o nosso corpo o que chamamos de neoantígenos, que seriam moléculas específicas do tumor, e mostrá-los para as células de defesa do organismo, em especial os linfócitos-T, que vão identificar e destruir essas células, além de gerar um excelente papel de memória imunológica antitumoral", explica Breno Jeha Araújo, oncologista da Oncoclínicas à CNN.
Essas vacinas estão sendo estudadas para o tratamento de tumores já desenvolvidos, mas também existem as vacinas preventivas, como a vacina contra o HPV, que previne o câncer de colo de útero, entre outros, e a vacina contra hepatite B, que previne o câncer de fígado.
"O desenvolvimento e a disponibilização de vacinas contra o câncer têm o potencial de induzir uma resposta imune e duradoura", afirma Araújo. "A vacina pode ter papel em diferentes fases da evolução do câncer, desde um paciente que já está com a doença avançada, até reduzir a chance do tumor voltar ou erradicar qualquer célula [cancerígena] que esteja passando pela circulação sanguínea", completa.
Alguns imunizantes também estão sendo testados para serem utilizados em conjunto com imunoterapia, para potencializar a eficácia do tratamento e, eventualmente, superar algum mecanismo de resistência do tumor. "Sem sobra de dúvidas, a possibilidade da vacina, seja sozinha ou junto com outras estratégias, gerar essa memória imunológica no nosso sistema imune pode revolucionar tanto a prevenção quanto o tratamento do tumor", afirma o oncologista.
A seguir, conheça algumas das vacinas que estão sendo desenvolvidas e testadas em ensaios clínicos e experimentais.
Um dos imunizantes que tiveram seus resultados recentemente divulgados foi uma vacina universal experimental. Em estudo publicado na revista científica Nature Biomedical Engineering no último dia 18, o imunizante, quando combinado com imunoterapia, gerou uma forte resposta antitumoral em camundongos. Segundo pesquisadores, os resultados podem ter amplas implicações no combate a diversos tipos de tumores resistentes ao tratamento.
Em fevereiro deste ano, outra vacina apresentou resultados promissores em pacientes com câncer renal avançado. Publicado na revista Nature, o estudo mostrou que todos os nove pacientes de um ensaio clínico geraram uma resposta imune anticâncer bem-sucedida após receber o tratamento com vacina após cirurgia para remoção do tumor, reduzindo o risco de retorno do tumor.
Em dezembro de 2024, o governo russo anunciou que desenvolveu duas vacinas contra o câncer em parceria com diversos centros de pesquisa. Ensaios pré-clínicos demonstraram que a dose suprime o desenvolvimento de tumores e de potenciais metástases.
O Centro Nacional de Pesquisa Médica do Ministério da Saúde russo informou que trabalha com duas linhas de vacinas oncológicas. Uma delas é uma vacina personalizada que utiliza tecnologia mRNA, a mesma utilizada em doses contra a Covid-19.
O segundo imunizante é a Enteromix, formulada com base numa combinação de quatro vírus não-patogênicos que têm a habilidade de destruir células malignas e, simultaneamente, ativar a imunidade de pacientes contra um tumor. A previsão do governo russo é que as vacinas seriam distribuídas gratuitamente ainda em 2025.
Em outubro de 2024, pesquisadores da Universidade Columbia desenvolveram bactérias probióticas que educam o sistema imunológico a destruir células cancerígenas. Segundo os autores do estudo, publicado na revista Nature, as vacinas bacterianas podem ser personalizadas para atacar o tumor primário e as metástases, podendo prevenir recorrências futuras.
Em junho de 2024, o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido (NHS, na sigla em inglês) anunciou que começou a testar vacinas personalizadas contra o câncer de intestino. O tratamento, ainda experimental, utiliza uma tecnologia baseada no mRNA, também chamado de RNA mensageiro.
As vacinas personalizadas contra a doença são criadas através da análise do tumor de um paciente que já tem câncer para identificar mutações específicas do seu próprio caso. Usando essas informações, os médicos criam a vacina individualizada, adaptada ao câncer específico de cada pessoa. Elliot Pfebve, de 55 anos, foi a primeira pessoa a receber a vacina em um hospital em Birmingham.
Em abril de 2024, a farmacêutica Moderna, em conjunto com a MSD, anunciou que sua vacina contra câncer de pele, a mRNA-4157 (V940), começou a ser testada em pacientes com melanoma avançado em sua última fase de testes clínicos antes de ser submetida para aprovação dos órgãos reguladores.
Essa vacina também utiliza o RNA mensageiro e também é personalizada, ou seja, adaptada às necessidades de cada paciente de acordo com as características de cada tumor. O estudo de fase 3 avalia a eficácia do imunizante combinado com Keytruda (pembrolizumabe) - um medicamento imunoterápico contra o câncer de pele.
Nos testes clínicos de fase 2, a combinação demonstrou uma redução de 44% no risco de recidiva do câncer de pele ou morte em pacientes com melanoma de estágios III ou IV após três anos, em comparação com quem só recebeu Keytruda.
Outra vacina personalizada, dessa vez para câncer de fígado, mostrou resultados promissores ao ser combinada com imunoterapia em um pequeno e inicial teste clínico divulgado em abril de 2024. O resultado foi aproximadamente o dobro da resposta geralmente vista apenas com a imunoterapia, segundo os pesquisadores.
Resultados do estudo preliminar, apresentados na Associação Americana de Pesquisa do Câncer em San Diego e publicados na revista Nature Medicine, sugerem que vacinas baseadas em mutações presentes apenas no tumor de um paciente podem impulsionar a capacidade do sistema imunológico de reconhecer e atacar cânceres difíceis de tratar.
Segundo Araújo, os próximos passos no desenvolvimento de vacinas contra o câncer incluem mais estudos clínicos feitos em humanos, em especial combinando imunizantes com tecnologia de RNA mensageiro com tratamentos oncológicos já bem estabelecidos, como a imunoterapia.
"Sem sombra de dúvidas, depois que conseguirmos comprovar a eficácia e a segurança desse tratamento, precisaremos também lutar por acesso. Porque de nada adianta termos um tratamento se ele não estiver disponível para a população de maneira geral, rápida e acessível", afirma o oncologista. "Mas, com os avanços atuais, estamos cada vez mais perto de transformar essas vacinas em uma realidade para os pacientes", finaliza.