Brasil enfrenta sequência sem precedentes de quatro meses consecutivos de temperatura recorde no país com sucessivas ondas de calor históricas
O mapa acima, com base em reanálise, mostra as anomalias de temperatura no Brasil no mês de outubro recém terminado. As temperaturas ficaram muitíssimo acima dos padrões históricos em uma enorme área do território brasileiro, compreendo milhares de municípios do Norte, Nordeste, Centro e o Sudeste. O aquecimento foi muitíssimo acima do normal principalmente entre o Pantanal e o Cerrado. O aquecimento muitíssimo atípico chamou atenção de especialistas em clima no exterior que destacaram a excepcionalidade do que se enxerga no território brasileiro.
O que se vê no mapa deveria preocupar a todos os brasileiros! Não é normal que um mês registre temperatura tão acima do média numa área tão imensa do Brasil e muito menos normal que o mês termine com temperaturas 2ºC a 6ºC acima da média histórica em quase metade do país. Os impactos de temperaturas tão fora da curva histórica por longos períodos têm efeitos nocivos para a saúde humana, flora e fauna, e ainda para a economia, sobretudo a agricultura.
Os dados das capitais ilustram quão fora do normal foi outubro em grande parte do Brasil. No Centro-Oeste, Campo Grande terminou outubro com temperatura mínima média de 23,2ºC ou 3,2ºC acima da normal climatológica. Já a média máxima de outubro foi de 34,9ºC, portanto 3,6ºC acima da climatologia, o que é um grande desvio. O outubro muito seco, com só 18,6 mm na estação da capital do Mato Grosso do Sul, que tem média histórica de precipitação de 150,6 mm no mês, explica o outubro muito mais quente que o normal.
Cuiabá, no estado do Mato Grosso, registrou temperatura máxima média em outubro de espantosos 39,4ºC. O valor está muito acima da média máxima histórica mensal de 35,1ºC. Foram nada menos que 14 dias com temperatura acima de 40ºC em Cuiabá no último mês. Um deles, teve 44,2ºC, a maior temperatura já observada na cidade desde o começo das medições em 1911 (recorde mensal e absoluto) e a mais alta temperatura já oficialmente observada em uma capital brasileira, apenas 0,6ºC abaixo do recorde nacional oficial de calor.
No Sudeste, Belo Horizonte anotou temperatura mínima média em outubro de 21,3ºC, assim 2,5ºC da média mínima histórica mensal de 18,8ºC. A temperatura máxima média se situou em 30,9ºC, 2,2ºC acima da média histórica de 28,7ºC. Em setembro, Belo Horizonte teve o dia mais quente de sua história, desde o início das medições em 1910, com 38,6ºC.
A cidade de São Paulo também experimentou um outubro mais quente do que o padrão histórico. Com média de 27,2°C, as temperaturas máximas fecharam o mês com 0,7°C acima da normal climatológica, que é de 26,5°C. Em setembro, as máximas na capital paulista chegaram a ficar 5°C acima da média. Já a média das temperaturas mínimas no último mês na cidade de São Paulo ficou 2,0 °C acima da climatologia de 16,5°C.
O Instituto Nacional de Meteorologia concluiu que o Brasil teve o outubro mais quente registrado na média do país ao menos desde 1961. A temperatura média nacional no último mês foi de 26,4ºC, ou 1,2ºC acima da média nacional do período 1991-2020. O desvio positivo somente não foi maior porque muitas áreas do Sul tiveram temperatura perto ou abaixo da média, o que foi resultado de chuva excessiva a extrema com marcas acima de 500 mm, e que causaram enchentes e mortes.
O pior. Outubro de 2023 foi o quarto mês seguido em que o Brasil teve recorde mensal de temperatura média. Julho teve uma temperatura média no país de 23,0ºC, logo 1,1ºC acima da média nacional pela série climatológica 1991-2020. Agosto acabou com uma média nacional de 24,3ºC ou 1,4ºC superior à climatologia de 22,9ºC. Setembro foi o mês em que a temperatura mais ficou acima da média no país com o Brasil terminando o mês com 25,8ºC de média contra uma climatologia de 24,2ºC, um desvio de 1,6ºC.
O Brasil é um país de dimensões continentais, com sua área cobrindo grande parte da América do Sul, assim um mês de temperatura recorde no país já seria um fato notável, mas quatro meses seguidos de temperatura alta recorde é um dado espantoso e que deveria ser motivo de preocupação.
Quatro meses consecutivos de temperatura recorde no Brasil não podem ser explicados apenas por variabilidade natural do clima ou a influência do fenômeno El Niño. O que está se testemunhando no nosso país se insere em um contexto muito maior em que os mesmos quatro meses também foram de temperatura recorde no planeta.
O Brasil, assim, está apenas acompanhando uma tendência de aquecimento acelerado da Terra nos últimos meses que não apenas está alarmando a comunidade científica como desencadeou uma enorme discussão entre os maiores especialistas em clima do planeta que buscam respostas para a Terra ter entrado em um ritmo de aquecimento muito mais rápido que o projetado nos últimos meses, o que passa pelo efeito estufa dos gases antropogênicos, mas poderia ter outros fatores contribuindo.
O último mês foi o outubro mais quente já registrado globalmente, de acordo com os dados do Sistema Copernicus da União Europeia. A temperatura média do ar na superfície no planeta foi de 15,30°C, ou 0,85°C acima da média de outubro de 1991-2020 e 0,40°C acima da temperatura do outubro mais quente anterior, em 2019. Outubro de 2023 no mundo não foi apenas o mês quente já registrado, mas por uma larga margem, tal como já havia ocorrido em setembro.
A anomalia de temperatura para outubro de 2023 foi a segunda mais alta em todos os meses no conjunto de dados ERA5, atrás apenas de setembro de 2023. O mês como um todo foi 1,7°C mais quente do que uma estimativa da média de outubro para 1850-1900, o período de referência pré-industrial. O Acordo de Paris estabeleceu como meta limitar o aquecimento global a 1,5ºC acima do período pré-industrial.
De janeiro a outubro de 2023, a temperatura média global é a mais alta já registrada no planeta no período, 1,43°C acima da média pré-industrial de 1850-1900 e 0,10°C acima da média de dez meses do ano de 2016, até então o ano mais quente já registrado no planeta na era observacional. Com isso, os cientistas estimam mais de 99% de probabilidade que 2023 supere 2016 e se torne o ano mais quente já registrado na Terra desde que se iniciaram as medições.
Os últimos dois meses de 2016 foram relativamente mais frios, reduzindo a anomalia média anual, enquanto o restante de 2023 deverá ser relativamente quente, à medida que o atual evento El Niño continua e persistem temperaturas altas da superfície do mar. Por isso, a estimativa que 2023 superará 2016 como o ano mais quente já observado na Terra.
As temperaturas médias globais para novembro e dezembro de 2023 na faixa de 0,3ºC-0,7°C acima dos níveis de 1991-2020, por exemplo, resultariam em valores anuais para 2023 na faixa de 0,51ºC-0,58°C acima da média de 1991-2020, equivalente a 1,39ºC-1,46°C acima de 1850-1900.