Entre 1961 e 1990, o número de dias com ondas de calor no Brasil não passava de sete. Esse número subiu para 20 dias entre 1991 e 2000; para 40 dias de 2001 a 2010, e para cerca de 52 dias, de 2011 a 2020. O aquecimento em várias regiões do Brasil já é maior que a média global. Em todo o hemisfério Sul, os maiores aumentos de temperatura acontecem nas regiões subtropicais da América Latina, onde o Brasil se localiza.
Essa elevação de temperatura faz com que a água evapore mais, tornando as estações e áreas secas ainda mais secas, e, ao mesmo tempo, carregando mais umidade, o que provoca chuvas mais intensas, em menor espaço de tempo, nas regiões úmidas e estações chuvosas. O Nordeste, a região amazônica e o Centro-Oeste têm sofrido secas mais prolongadas, o que aumenta a incidência de incêndios. Já as regiões Sul e Sudeste, principalmente em áreas urbanas, têm sido afetadas por mais chuva, com inundações, enxurradas e deslizamentos de terra. Ao mesmo tempo, o aumento do nível do mar e a erosão atingem cerca de 35% da costa, com maior concentração nas praias do Norte, Nordeste e Rio Grande do Sul. Suas consequências são a redução da largura das praias, destruição de infraestrutura e impactos na economia local.
Nos últimos 60 anos, o aquecimento em algumas regiões brasileiras foi maior que média global, chegando a até 3º Celsius na média das temperaturas máximas diárias em algumas regiões, aponta o relatório Mudança do Clima no Brasil - síntese atualizada e perspectivas para decisões estratégicas.
"Eventos extremos, como secas severas e ondas de calor, serão mais frequentes, com probabilidade de ocorrência de eventos climáticos sem precedentes", destaca o relatório.
O estudo, que lançado oficialmente em Brasília, nesta quarta-feira (6/11), é um recorte para o Brasil do último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e de outros estudos científicos atuais, resultado de um esforço que reuniu o Ministério de Ciência, Tecnologia e Informação com as organizações sociais da Rede Clima, o WWF-Brasil e o Instituto Alana.
A partir das projeções para os próximos 30 anos, apresentadas de forma inédita pelo IPCC, com o objetivo de orientar ações de adaptações, os pesquisadores também concluíram que se o limite de 2ºC for atingido, em 2050 limiares críticos para a saúde humana e a agricultura serão ultrapassados com mais frequência.
Nesse cenário, a população afetada por enxurradas no Brasil aumentará entre 100 e 200%. Doenças transmitidas por vetores como os da dengue e malária também causarão mais mortes.
A Amazônia, por exemplo, perderá 50% da cobertura florestal pela combinação de desmatamento, condições mais secas e aumento dos incêndios. O fluxo dos rios serão reduzidos e a seca afetaria mais os estados do Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima. O ciclo de chuvas no Brasil e na América do Sul também serão afetados.
Os estoques pesqueiros serão reduzidos em 77%, com redução de 30% a 50% dos empregos no setor. O impacto estimado na receita, em relação ao Produto Interno Bruto é 30%.
O Nordeste, onde vivem atualmente quase 55 milhões de pessoas, segundo dados preliminares do Censo 2022, pode ter 94% do território transformado em deserto.
Pessoas que vivem nas grandes cidades brasileiras, como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte ficarão expostas à escassez de água. A estimativa é que no cenário de mais 2ºC, em 2050, 21,5 milhões de pessoas em áreas urbanas sejam afetadas pela quebra do ciclo hídrico e do impacto nas safras.
Nas conclusões, os pesquisadores consideram ser necessário manter o limite de 1,5ºC no aumento médio da temperatura global e não permitir que as emissões de gases do efeito estufa continuem crescendo e para isso é necessário rever as ambições das políticas nacionais. "As metas brasileiras não têm correspondido ao tamanho da redução das emissões que cabem ao país", destaca o relatório.
Entre os ajustes imediatos apontados pelo estudo estão: zerar o desmatamento em todos os biomas, investir em programas de pagamentos por serviços ambientais para incentivar a conservação, migrar para uma agricultura de baixo carbono, por meio de sistemas agroflorestais e integração entre lavoura, pecuária e floresta.
A gestão integrada dos recursos hídricos e a adoção de sistemas agrícolas resilientes às mudanças climáticas são apontados pelos cientistas como saídas para garantir as seguranças hídrica e alimentar.
Soluções baseadas na natureza são medidas necessárias para adaptar as cidades às mudanças climáticas, com o aumento de áreas verdes que tornem as regiões urbanas mais permeáveis com drenagem natural. O relatório também aponta a necessidade de investimentos em transporte público de baixo carbono, como incentivo ao uso de transportes coletivos e não motorizados.
O estudo aponta ainda a importância da cooperação internacional no financiamento climático desenvolvimento e transferência de tecnologias limpas, além do reforço coletivo para diminuir as emissões de gases do efeito estufa.