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Publicado em 16/07/2023 09:17:01 • Culinária

Você comeria um pássaro inteiro?

Polêmico prato francês já foi provado pelo chef Jacquin
Crédito: Reprodução

Do foie gras (fígado de ganso ou pato) ao escargot (caramujo), a culinária francesa é repleta de iguarias que dividem opiniões e fazem muita gente torcer o nariz. Ainda assim, nada se compara ao ortolan, talvez o prato mais polêmico já inventado o país.

Trata-se de um passarinho primo do pardal que pesa cerca de 20 gramas e é mais ou menos do tamanho de um polegar. Comer a iguaria significa colocar o pássaro assado inteiro na boca, engolindo cabeça, ossos, vísceras e órgãos fumegantes.

É provável que você nunca coma ortolan, e muito difícil que encontre alguém que admita ter encarado o prato. Mas uma dessas corajosas pessoas o Brasil todo conhece.

"É um alimento de outro mundo. Nada se compara ao sabor do ortolan", diz o chef francês Érick Jacquin, que experimentou o prato antes da proibição.

"Eu comi há muito tempo na França. Hoje em dia é proibido. Nunca vi nenhum restaurante vender."

Na televisão, o prato é retratado como uma espécie de "pecado gastronômico" dos super-ricos.

O ortolan já apareceu na série "Billions", da Amazon Prime, e também rendeu uma cena em "Succession", em que o executivo Tom Wambsgans obriga seu assistente Greg a comer um ortolan a contragosto.

Extinção e crueldade

Originário da Europa e Ásia Ocidental, o ortolan é considerado uma ave migratória ameaçada de extinção devido à caça predatória para consumo humano e, por isso, tem consumo proibido na Europa desde 1979 e, na França — país que mais consome o bicho — desde 1999.

As associações que criticam o consumo do ortolan alegam que, além de o pássaro correr risco de extinção, o preparo do prato é extremamente cruel com o animal.

Capturados da natureza ainda vivos, os ortolans são presos em caixas escuras com buracos apenas para poderem respirar. Durante semanas, eles são engordados propositalmente com alimentos como figo, uvas e cereais, que intensificam o sabor da carne.

Sem enxergar nada, os ortolans perdem o referencial do quanto precisam comer e acabam dobrando ou até triplicando de peso. Outra prática incomum, mas que existe, é que em vez das caixas escuras, alguns criadores preferem vendar os olhos dos ortolans ou mesmo cegar os passarinhos.

O abate também é superpolêmico. Ao atingir o "peso ideal", o ortolan é afogado em armanhaque, aguardente francesa semelhante ao conhaque, feita a partir da destilação de uvas.

Para manter a carne fresca, o animal costuma ser afogado no dia do consumo. Após ser depenado, o ortolan vai inteiro para o forno até ficar com a pele crocante. A única coisa que não se come é a penugem marrom e amarela do animal.

"Esconda-se de Deus"

O ortolan é tão raro e exclusivo que não pode ser saboreado de qualquer jeito.

Segundo a tradição, quem come precisa cobrir a cabeça com um guardanapo, se debruçar sobre o prato e enfiar o pássaro inteiro na boca de uma vez só.

"O pano em volta cabeça é para preservar o sabor e o cheio do alimento", afirma o chef Jacquin. O guardanapo também ajuda esconder a bagunça de mastigar um passarinho inteiro.

"Segurando pelas patas, a gente enfia tudo na boca. Mastigar o ortolan não é muito bonito e pode sujar bastante a boca".

Outra explicação, essa bem mais esotérica, para o ritual do guardanapo na cabeça é uma superstição francesa antiga que fala que, ao comer um animal tão bonito, é melhor se esconder de Deus.

No mercado ilegal, um único ortolan do sudoeste francês pode ser vendido por mais de 150 euros (cerca de R$ 804, em cotação de 11/07/2023). Nos jantares privados onde é servido por baixo dos panos (em mais de um sentido), o prato pode facilmente custar centenas de euros.

"A tradição de comer ortolan na França sempre foi associada a alta sociedade", explica Jacquin. No passado, o prato era consumido pela nobreza, pelos aristocratas, políticos e também no circuito de chefs de cozinha.

Fonte: Matheus Doliveira / Nossa Cozinha UOL
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