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O Oscar de Melhor Filme Internacional, recebido ontem (02/03) em Los Angeles (EUA), coroou uma trajetória internacional bem sucedida do longa do diretor Walter Salles, que recebeu elogios na crítica especializada internacional e, só nos Estados Unidos, chegou a ser exibido em mais de 700 salas.
Antes do Oscar, Ainda Estou Aqui também recebeu uma série de prêmios, 38 no total, incluindo: Globo de Ouro (Melhor Atriz em Filme de Drama, Fernanda Torres), Goya (Melhor Filme Ibero-Americano), Festival de Veneza (Melhor Roteiro), Festival Internacional de Roterdã (Prêmio do Público), Critics' Choice Association (Melhor Atriz Internacional, Fernanda Torres) e Philadelphia Film Festival - Masters Of Cinema (Prêmio do Público - Menção Honrosa), entre outros.
O longa também foi a primeira produção do país a ser indicada ao Oscar de Melhor Filme (perdeu para Anora). Além disso, Fernanda Torres ainda concorreu como Melhor Atriz (perdeu para Mikey Madison, de Anora), por sua interpretação de Eunice Paiva.
Baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, publicado em 2015, Ainda Estou Aqui narra a história de Eunice Paiva, mãe do escritor. Vivida por Fernanda Torres, Eunice enfrenta a violência do regime militar depois da prisão e do desaparecimento do marido, o deputado cassado Rubens Paiva.
Apesar de essa ser a primeira conquista do Brasil no Oscar, foram muitas as vezes em que o país apareceu na premiação. Com indicações diretas ou participação, coprodução e afins.
Relembramos a seguir esses momentos de destaque para o cinema nacional.
Brasil (1944) - A entrada do Brasil no Oscar se deu pela porta da música. "Rio de Janeiro", composta por Ary Barroso e pelo norte-americano Ned Washington, foi indicada ao Oscar de melhor canção original pelo musical "Brasil" (1944), produção americana dirigida por Joseph Stanley, estrelada por atores latinos que trabalhavam em Hollywood, como o mexicano Tito Guízar, que faz o protagonista, e Aurora Miranda, irmã de Carmem Miranda, que faz uma participação.
Na trama, Tito vive Miguel Soares, um músico que fez sucesso com a canção "Brasil', mas que passa por um bloqueio criativo e não consegue compor um novo sucesso para um concurso de música.
Orfeu Negro (1959) - Mais uma vez, o Brasil dá as caras no Oscar de forma indireta. "Orfeu Negro", baseado na peça "Orfeu da Conceição", de Vinícius de Moraes, venceu o Oscar de melhor filme estrangeiro na edição de 1960. Apesar de ser uma coprodução Brasil-Itália-França, além de ser todo falado em português, ter música de Tom Jobim e Luís Bonfá e de ser estrelado por atores brasileiros, como Bruno Mello e Léa Garcia, o longa é dirigido pelo francês Marcel Camus e foi indicado pela França. "Orfeu Negro" foi mal recebido no Brasil, inclusive por Vinícius, por trazer uma visão repleta de estereótipos sobre o país. Em 1999, Cacá Diegues lançou uma nova adaptação da história, "Orfeu", protagonizado por Patrícia França e Toni Garrido. Essa foi a primeira vez que um filme francês falado em outro idioma representou a França na premiação - como "Emília Perez" neste ano.
Pagador de Promessas (1962) - O longa de Anselmo Duarte, que rendeu ao Brasil sua única Palma de Ouro no Festival de Cannes, foi o primeiro filme que representou o país na categoria de melhor filme estrangeiro. Inspirado na peça homônima de Dias Gomes, ele foi rodado na Bahia e é estrelado por Leonardo Villar e Glória Menezes. O filme narra a saga de Zé do Burro (Villar), que faz uma promessa após seu asno de estimação ser atingido por um raio. Depois da recuperação do animal, ele decide cumprir a promessa e carregar uma cruz de madeira do sertão até a Igreja de Santa Bárbara, em Salvador. Mas o padre não permite que ele entre na casa de Deus, provocando uma grande mobilização da comunidade local. O francês "Sempre Aos Domingos", do Serge Bourguignon, levou a estatueta para casa, mas "O Pagador de Promessas" segue sendo um dos grandes filmes da história do cinema brasileiro.
O Beijo da Mulher Aranha (1985) - Mais de duas décadas se passaram até que o filme de Hector Babenco, baseado no romance de Manuel Puig, chegasse ao Oscar, não como filme estrangeiro, mas, sim, nas categorias principais. Fenômeno do cinema nacional e internacional entre 1985 e 1986, com elenco também internacional, encabeçado por Raul Julia, William Hurt, Sônia Braga, José Lewgoy e Milton Gonçalves, o longa foi indicado, em 1986, ao Oscar nas categorias de melhor filme (o primeiro longa brasileiro e independente a realizar tal feito), melhor diretor (Babenco), melhor roteiro adaptado e melhor ator (William Hurt) - este último conquistado. Sônia Braga não foi indicada, mas se tornou uma diva definitiva de Hollywood após o "Beijo da Mulher Aranha" que, a propósito, ganhou um remake estrelado por Jennifer Lopez, que estreia neste mês no Festival de Sundance 2025.
O Quatrilho (1995) - Depois do desastre do fechamento da Embrafilme, durante o governo Collor, o cinema brasileiro vivia sua retomada em 1996 e, após 12 anos, emplacou um filme na corrida ao Oscar, na categoria melhor filme estrangeiro. "O Quatrilho", de Fábio Barreto, baseado no romance homônimo de José Clemente Pozenato, conquistou projeção internacional e a tão sonhada indicação.
Estrelado por Glória Pires, Patrícia Pillar, Alexandre Paternost e Bruno Campos, o filme se passa em um vilarejo rural de imigrantes italianos no início do século 20, no Rio Grande do Sul, em um cenário bucólico, mas longe de ser idílico. Amigos de longa data, os dois casais decidem morar na mesma casa. Só que o marido de uma (Bruno Campos) se apaixona pela mulher (Patrícia Pillar) do amigo. Eles decidem fugir e o casal que fica (Glória e Paternost) tem de encarar a situação com inteligência e astúcia, como no jogo de quatrilho.
Quem acabou levando a estatueta foi o holandês "A Excêntrica Família de Antônia", de Marleen Gorris.
O Que é Isso, Companheiro? (1997) - Dois anos depois, Bruno Barreto, irmão de Fábio, levaria novamente o cinema brasileiro ao Oscar com um filme que trata do mesmo período histórico que "Ainda Estou Aqui". Inspirado no livro homônimo de Fernando Gabeira, que ele escreveu em 1979, "O Que é Isso, Companheiro?" foi indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, além de ter disputado o Urso de Ouro do Festival de Berlim 1997.
Passado em 1969, o longa tem uma narrativa tensa e narra a história do sequestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick por um grupo de jovens militantes de esquerda. Também com Fernanda Torres no elenco, "O Que É Isso, Companheiro?" ainda conta com Alan Arkin como o embaixador, Pedro Cardoso como Fernando Gabeira, além de Luiz Fernando Guimarães, Cláudia Abreu e até participação especial de Fernanda Montenegro, Othon Bastos e Milton Gonçalves.
Novamente, a Holanda levou a melhor e "Caráter", de Mike Van Diem venceu na categoria.
Central do Brasil (1998) - Aquecido pelas indicações ao Oscar e pela retomada, que levava o cinema e o público brasileiro de volta aos cinemas, o Brasil fez uma de suas passagens mais marcantes da história no Oscar. Em 1999, "Central do Brasil", depois de levar o Urso de Ouro no Festival de Berlim 1998 e o Urso de Prata de melhor atriz para Fernanda Montenegro, além do Globo de Ouro também de melhor filme estrangeiro e uma indicação para Fernanda Montenegro (quem levou foi Cate Blanchett por "Elizabeth"). "Central do Brasil" ainda levou o Bafta de melhor filme estrangeiro.
O melodrama protagonizado pelo pequeno Josué (Vinícius de Oliveira em estado de graça) e por Dora (Fernanda também em estado de graça) emocionou e emociona plateias do mundo todo. Ao contar com lentes que alternam da ternura ao realismo a saga de Josué em busca de seu pai depois de perder tragicamente a mãe, Walter Salles contou também a história de um Brasil que buscava suas referências e enchia o peito de esperança após tantos anos de Ditadura Militar e crise econômica.
A performance inesquecível de Fernanda Montenegro também lhe rendeu a indicação ao Oscar de melhor atriz, a primeira da história para uma atriz latino-americana e até hoje a única em um filme falado em português. Infelizmente, Gwyneth Paltrow, que havia vencido o Globo de Ouro de melhor atriz em comédia ou musical, levou a melhor por "Shakespeare Apaixonado", um dos Oscars mais controversos de todos os tempos.
Na categoria melhor filme estrangeiro, o italiano "A Vida é Bela" confirmou seu favoritismo e o cineasta e ator Roberto Benigni protagonizou uma das cenas mais hilárias do Oscar.
Uma História de Futebol (2000) - Pela primeira vez, e única até hoje, um brasileiro foi indicado na categoria de melhor curta-metragem Live Action. "Uma História de Futebol", de Paulo Machline, conta a história de Pelé na infância, narrada por seu amigo Zuza. Inspirado nas lembranças de Aziz Adib Naufal e com roteiro de José Roberto Torero (que também escreveu um livro infantil sobre o tema), Maurício Arruda e Paulo Machline, narra as peripécias do menino Pelé ainda nos campos da cidade de Bauru, interior de São Paulo. Passada na década de 1950, o filme narra com nostalgia as memórias de Zuza, que era o parceiro de partidas e peladas de Pelé e relembra das histórias e jogadas de Dico (como o jogador era chamado quando criança).
Diários de Motocicleta (2004) - Dirigido pelo brasileiro Walter Salles, "Diários de Motocicleta" é uma produção internacional, com Robert Redford assinando a produção, e concorreu aos Oscars de melhor roteiro adaptado e melhor canção para "Al Otro Lado Del Rio", de Jorge Drexler. O longa já havia levado o Bafta de melhor filme em língua não inglesa e o Independent Spirit de melhor filme.
Estrelado pelo mexicano Gabriel Garcia Bernal e mexicano Rodrigo de La Serna, "Diários de Motocicleta" refaz no cinema a expedição que Ernesto Che Guevara (Bernal) e seu amigo Alberto Granado (La Serna) realizaram em 1952 pela América do Sul, antes de Guevara se tornar um revolucionário. Viagem crucial para a formação de caráter do líder que o argentino se tornou, os caminhos de "Diários de Motocicleta" percorrem com poesia as contradições de uma América Latina repleta de injustiças, mas características fascinantes de um povo que resiste a cada dia.
Cidade de Deus (2002) - Depois de ser esnobado no Oscar 2003 na corrida ao Oscar de melhor filme estrangeiro, "Cidade de Deus" voltou com tudo em 2004 indicado em quatro categorias principais: melhor direção (Fernando Meirelles), melhor roteiro adaptado (Bráulio Mantovani), melhor montagem (Daniel Rezende) e melhor fotografia (César Charlone), marca que até hoje não foi batida por outro filme brasileiro. A campanha do filme foi impulsionada pelo trabalho da Miramax, que detinha os direitos de "Cidade de Deus" nos Estados Unidos e o colocou no centro das atenções que merecia.
Baseada no livro homônimo de Paulo Lins, "Cidade de Deus" narra em primeira pessoa a história de Buscapé, que cresceu na comunidade mas sonha em ser fotojornalista. Considerado um dos bairros mais perigosos do Rio de Janeiro na década de 1980, Cidade de Deus é, mais que cenário, verdadeiro personagem deste faroeste urbano tupiniquim, em que as entranhas da formação violenta das grandes cidades do Brasil é revelada com crueza, mas também poesia. Buscapé é quem narra as sagas trágicas, mas também cômicas, violentas, mas também cheias de paixão dos moradores da hoje mítica Cidade de Deus.
O longa não levou nenhuma das estatuetas mas fez história e até hoje é considerado um dos filmes mais importantes dos últimos tempos e influencia cineastas de todo o mundo.