Na terça-feira, dia 4 de outubro, Cerro Largo comemorou 120 anos de fundação e, nesta reportagem especial, relembramos como foi a saga dos imigrantes alemães que culminou com a colonização da área onde hoje está situado o município.
Bauerverein
No alvorecer do século 20, os imigrantes alemães que vieram colonizar o Rio Grande do Sul já ocupavam todas as terras férteis nas cercanias dos rios dos Sinos, Taquari, Caí e Pardo, desde São Leopoldo - onde os primeiros desembarcaram em 1824 - até as colônias de Santa Cruz do Sul e Feliz. Novas terras eram necessárias, pois muitos colonos ainda chegavam desencantados com uma Europa empobrecida por fome e guerras e atraídos pelas políticas migratórias sedutoras oferecidas pelo governo brasileiro.
Foi por esse motivo que, em 1900, uma recém-fundada associação de colonos intitulada Bauerverein, com sede em São José do Hortêncio (35 km de Porto Alegre), interessou-se por uma porção de terras que uma antiga companhia férrea alemã detinha no noroeste do Estado. A Nortwestbahn adquirira as terras do governo alguns anos antes. Pelo contrato, a empresa deveria construir uma ferrovia interligando Tupanciretã e São Luiz Gonzaga a Uruguaiana e São Luiz Gonzaga a Caxias do Sul. Em troca, teria o direito a vender lotes de terra dentro de uma faixa de 5 km ao longo da estrada. O projeto, porém, fracassou. Até 1900, a companhia não chegara a assentar uma dúzia de colonos.
Naquele ano um dos diretores da Nortwestbahn, Horst Hoffmann, encontrou-se com representantes da Bauerverein e as negociações evoluíram para um contrato entre ambas as partes e o governo estadual. Pelo acordo, a associação de colonos comprometia-se a colonizar as terras em um prazo de 10 anos. O contrato só seria assinado em 24 de setembro de 1903, após o reconhecimento das terras feito por uma comissão de colonos de diversas localidades do Estado.
As terras em questão eram a Colônia Serro Azul, cujo nome foi inspirado na coloração azulada das colinas que todos os que chegavam podiam avistar ao longe.
Viagem da comissão exploradora
Antes de assinar o contrato com a Nordwestbahen e o governo do estado, a Bauerverein organizou uma comissão para averiguar as terras da colônia Serro Azul.
Ao todo foram oito pessoas, de diferentes localidades do Rio Grande do Sul colonizadas por imigrantes europeus, a maioria alemães.
Para acompanhar a viagem, a associação de colonos solicitou que um religioso católico fosse indicado, e a responsabilidade recaiu para o padre Maximiliano Von Lassberg.
A viagem foi marcada para o dia 4 de maio de 1902, às 19h, no porto de Porto Alegre, onde partiria o barco a vapor até a conexão com a estação férrea às margens do rio Taquari.
Naquele tempo, o trem somente chegava até Tupanciretã e, de lá, o grupo teve que viajar os 156 quilômetros restantes de carroça ou a cavalo. Na manhã de 7 de maio, todos estão prontos para a longa jornada, que estendeu-se por quatro dias.
A primeira missa
A chegada a Serro Azul aconteceu na manhã de 11 de maio, um domingo, com os trabalhos focados na instalação do grupo.
Na segunda-feira, dia 12 de maio, o Pe. Max celebrou a Eucaristia, no local onde existe a Cruz de Fundação, na esquina das ruas Pe. Max com Daltro Filho.
Durante sete dias, a comissão avaliou as terras em um trecho de 40 quilômetros e gostou da localização geográfica, entre rios e próxima a São Luiz Gonzaga, já município.
O Pe. Max, empenhado em explorar toda a região missioneira, só deixaria a colônia no dia 5 de junho, quase um mês após sua chegada.
Ele voltaria ainda muitas vezes até o final de sua vida naquele que seria o mais seu bem-sucedido projeto de colonização.
Primeiros colonizadores
Cinco meses depois de uma comitiva liderada pelo Pe. Max explorar as terras da nova colônia, chegaram os primeiros moradores, considerados os fundadores do município de Cerro Largo.
O dia era um sábado, 4 de outubro de 1902 e fazia muito frio. Novamente o Pe. Max acompanhava os pioneiros. Eram eles: Mathias München, Karl Dahmer, João Ten Caten, Mathias Bard, Paul Schmied, Philipp Guth, Johann Hoffmann, Peter Martini, Jakob Müller, Peter Ludwig, Michael Schneider e Arnold Hochegger, que juntou-se ao grupo posteriormente.
A viagem fora difícil. Temperaturas próximas de zero grau tornaram ainda mais árduo o trajeto entre Tupanciretã e a colônia. Carlos Culmey, o agrimensor de Serro Azul, foi ao encontro dos aventureiros e acompanhou-os no caminho de volta. Os 12 homens vinham em uma carruagem cedida pela Nortwestbahen e em uma frágil carreta de duas rodas, alugada, puxada por cavalos miseráveis. Alguns vinham a cavalo.
Seguiu-se uma semana de muitas avaliações e discussões acerca das terras. A divisão das colônias não foi de todo pacífica, mas no dia 14 de outubro já estava tudo acertado e o trabalho começou.
Surge a Colônia Serro Azul
Foram muito duros os primeiros anos na nova colônia. Era preciso desmatar as áreas para o cultivo e abrir estradas, para que cada propriedade pudesse ter sua via de comunicação com a sede. Havia muitos animais selvagens, mas o transtorno maior para os colonos, sem dúvida, eram as pulgas, os bichos-de-pé e os mosquitos. Mãos e pés viviam inchados e picados pelos pequenos insetos que atacavam mesmo durante o dia.
Logo foram chegando mais colonos e o barracão do imigrante foi tornando-se pequeno para tantas famílias. Mesmo preocupados em construir casas, muitos colonos tiveram de esperar longos meses até obter a concessão de suas propriedades. O contrato da Bauerverein com o governo só foi firmado oficialmente em 29 de setembro de 1903, um ano após o início da colonização. Nesse ano já começava a funcionar a primeira escola e, em 1904, era fundada a comunidade católica.
Além da demora em receber seus lotes, os colonos tiveram outros dissabores nos primeiros anos em Serro Azul. Em 21 de agosto de 1903, um incêndio na cozinha do barracão vitimou Catharina Dewes, irmã do primeiro professor da colônia, Peter Dewes. Foi a primeira morte registrada na nova terra. No entanto, a população crescia mais do que a produção de alimentos.
O tempo não ajudava e pouco podia-se fazer para combater as pragas. Em outubro de 1905, nuvens de gafanhotos dizimaram as lavouras da região. Desesperados, os colonos saíram pelos campos batendo latas, fazendo fumaça e agitando galhos de capoeira. Apenas puderam presenciar a safra do ano ser triturada pela legião de insetos. O que foi plantado a seguir também não vingaria. Logo após a invasão de gafanhotos, teve início uma longa seca, que durou cinco meses. As chuvas só voltariam a cair em abril de 1906. Para sobreviver, os imigrantes tiveram de pedir ajuda à Colônia Velha (São Leopoldo até Feliz) e à Ijuí, de onde o socorro pôde vir mais rápido. Uma epidemia de tifo se somaria a todo esse desalento. Sem recursos hospitalares, muitos imigrantes pereceram da doença.
A principal dificuldade para o desenvolvimento da colônia até 1911 era a precariedade do transporte. Para vender o excedente da produção agrícola, os colonos precisavam levar as mercadorias em carroças ou lombos de mulas por mais de 100 quilômetros até a estação férrea de Tupanciretã.
Os caminhões só chegariam no final da década de 30. Enquanto isso, a maior parte da produção era consumida mesmo em cidades próximas, como Santo Ângelo, São Luiz Gonzaga e São Nicolau, sedes de guarnições militares. Poucos colonos arriscavam enviar mercadorias até as colônias velhas no Vale dos Sinos. Como o trem só chegava até Tupanciretã, o custo do transporte inviabilizava a operação. Somente alguns produtos mais baratos, como a banha e o tabaco, suportavam tal despesa.
O transporte melhoraria a partir de 1911, quando a estrada de ferro seria prolongada até Ijuí. Em 1922 já haveria trens em Santo Ângelo e estudos para levá-los até Serro Azul. No entanto, a ferrovia alcançaria Cerro Largo apenas em 1958.
Mas estas, já são outras histórias...