Há 40 anos era lançado o único Disco de Ouro da música instrumental brasileira. Em uma época em que, para se ouvir música, era necessário sair de casa e comprar um álbum, a premiação era concedida aos trabalhos que conseguiam atingir o número de 100 mil cópias vendidas. Quem conseguiu a façanha foi Renato Borghetti, com o seu disco de estreia Gaita Ponto.
Era maio de 1984 quando Gaita Ponto chegava às lojas e, em quatro meses, já havia alcançado a marca de centenas de milhares na vendagem de cópias. O fenômeno foi tanto que Borghetti e sua gaita desbancaram, inclusive, o Rei do Pop Michael Jackson: naqueles meses, o gaúcho vendeu por aqui mais que Thriller — disco que viria a se tornar o mais vendido da história da música mundial.
Mas engana-se quem pensa que por trás desse sucesso todo há uma complicadíssima estratégia de marketing. "Aconteceu", resume Borghetti. Foi tudo natural, e ninguém encontra na racionalidade alguma explicação. O álbum de música instrumental mais vendido da história fonográfica brasileira foi gravado de forma independente por um gaiteiro de 20 anos que queria usar o dinheiro das vendas para comprar um motor home. Como o músico fazia muitos shows pelo interior, a mistura de carro com casa forneceria lugar para passar a noite e mais espaço, tanto para instrumentos, quanto para levar cópias do álbum para vender no fim das apresentações.
Mas, superando todas as expectativas iniciais, o disco vendeu quase sozinho e, muito mais que um motor home, Borghetti conseguiu comprar um apartamento com o dinheiro das vendas. Gaita Ponto foi gravado de forma totalmente independente, sem gravadora. O som da acordeona interrompia o silêncio da noite: foi nas madrugadas de um dos poucos estúdios de Porto Alegre que o disco foi concebido. "Gravei nos horários que as gravadoras não estavam usando", relembra o gaiteiro.
O músico escolheu algumas das canções que mais gostava de tocar nos festivais e CTGs que frequentava e condensou no LP, que mistura os ritmos do sul da América, como milonga, chamamé e rancheira. Borghetti atribui a esse gosto pelo que se faz uma explicação pro sucesso que teve o disco. "Eu escolhi o que eu achava que gostava e o que eu estava tocando na época. E é um dos motivos pelos quais eu acho que o disco deu certo: repertório bom, bom sem querer, mas um repertório bom pra época", diz.
A gravação contou com a gaita de Borghetti e o violão de Enio Rodrigues. Para finalizar, o produtor musical Ayrton dos Anjos, conhecido como Patineti, deu alguns pitacos, à convite do próprio gaiteiro, que sentia falta de alguma coisa no trabalho. Patineti, que foi responsável pelo sucesso de grandes músicos gaúchos, sugeriu que Borghetti adicionasse o violão de Oscar Soares e o contrabaixo de Francisco Castilhos, ambos do grupo musical Os Mirins.
O projeto gráfico da capa foi feito por Juarez Fonseca, e as imagens foram produzidas em um sítio da família Borghetti em Viamão. O fotógrafo Tude Munhoz tirou fotos do jovem músico e, em troca, recebeu um jipe como pagamento — já que o trabalho era independente e o dinheiro, escasso. "O disco nem tinha título. Eu botei Gaita Ponto na contracapa porque era como se chamava o instrumento que ele tocava", recorda o jornalista Juarez Fonseca.
Tudo aconteceu de forma natural com Gaita Ponto. Desde a concepção, até o resultado final. Até a honraria que conquistou na categoria de música instrumental não foi algo deliberado: "eu nem sabia que fazia música instrumental. Eu só não canto, até hoje não canto. Então eu fiz o que eu sabia no disco", brinca Borghetti.
"O disco foi uma decorrência natural de um caminho que ele já estava trilhando na música", resume o jornalista e biógrafo de Borghetti, Márcio Pinheiro. Autodidata, o gaiteiro abriu sozinho os caminhos que seguiria no mundo musical. A música entrou na sua vida quase que de brincadeira, mas, desde criança, ele parecia já saber qual era o seu lugar. "Meu pai falava que, sempre que eu me perdia, ele sabia que, onde tinha gaita e música, era onde eu estava."