Morreu, na noite desta quarta-feira (10/5), o músico nativista Luiz Carlos Borges, aos 70 anos. O artista sofria com problemas de aneurisma de aorta, solucionados em cirurgias anteriores, mas sem sucesso na última intervenção realizada, segundo a família.
O músico, que estava internado desde o dia 29 de março no Hospital São Francisco, em Porto Alegre, partiu estando rodeado dos familiares. O velório está marcado para esta quinta-feira (11) no Theatro São Pedro, das 10h às 18h, e será aberto ao público.
Logo após a família confirmar a morte de Borges, a Secretaria de Estado da Cultura (Sedac) publicou uma nota nas redes sociais lamentando a notícia do falecimento do gigante da música nativista. "Algumas vezes foi tropeiro e outras foi tropa. Agora, noutras andanças, seguirá vivo em seu legado que já se faz eterno", diz o texto.
Luiz Carlos Borges deixa a esposa, Andressa Camargo, e cinco filhos: Luís Ariano, Naiana, Sibelle, Luizinho e Gregório, além dos netos, genros, sobrinhos e irmãos.
Legado no tradicionalismo
A marca de Luiz Carlos Borges para a cultura gaúcha é incontestável. O artista natural de Santo Ângelo subiu ao palco pela primeira vez aos nove anos de idade, em 10 de outubro de 1962, e nunca mais saiu. De seus 70 anos, 60 foram em cima do palco, onde esteve sempre acompanhado da sua fiel escudeira, a gaita.
Borges foi um dos nomes com mais tempo de carreira na música regionalista, com 35 álbuns, 269 composições e 720 gravações registradas no Ecad, o órgão responsável pela arrecadação e distribuição de direitos autorais no Brasil.
No seu repertório, estarão eternizadas as canções Baile da Fronteira, Tropa de Osso, Florêncio Guerra e Romance na Tafona. Sobre o chamamé, o artista já descreveu o estilo musical como "o jazz do futuro".
— As melodias são lindas, a rítmica é muito bonita e é circunferencial. É um ritmo ternário, que vira seis por oito, o que ajuda a dar esse sentido de circunferência. Ele parece que está na água, sempre arrodeando. A prova é Merceditas, que tem quatro ou cinco acordes, mas dá para fazer um show inteiro com ela. A melodia propõe muitos caminhos, a harmonia é simples, mas pode ser desmanchada de tudo que é jeito sem se descaracterizar, como se faz há muitos anos com Asa Branca, do Gonzagão, por exemplo — comparou ele para a reportagem de GZH em 2020.
O músico também inovou na forma de tocar gaita. Tinha um estilo próprio de conduzir e compor com o instrumento, misturando referências das músicas de baile, das canções homéricas dos festivais e de ritmos como o jazz e o blues. Também foi amante inseparável da improvisação, mas sua característica mais marcante como instrumentista foi a intensidade.
— Eu não sei pegar a cordeona sem ser de forma séria. Não me divirto com o instrumento, eu choro com ele. É esse o jeito que eu sei tocar: chorando por dentro. Penso que se eu acreditar no que estou tocando, com certeza chegarei no coração das pessoas — disse Borges para a reportagem, nas comemorações de seus 70 anos, em março deste ano.
Problemas de saúde
O músico enfrentava problemas de saúde por conta de aneurismas de aorta. Em 2019, sofreu o segundo — o primeiro foi em 2003 — e ficou 85 dias internado no hospital, sendo 70 na UTI.
Dessa vez, foi necessário reaprender a andar, a falar e a viver com autonomia. Diante das limitações físicas, Borges afirmou que sua menor preocupação era a gaita, mas confessou que rezava para que, se um dia pudesse voltar a tocar o instrumento, que fosse para voltar fazendo bonito.
A prece foi atendida. Depois de um período de readaptações, Luiz Carlos Borges voltou aos palcos em julho do ano passado, abraçado na cordeona. Precisou mudar um pouco a forma de tocar, pois ficou com limitação de movimento na mão esquerda, mas seguiu colocando em prática as características que o alçaram ao hall de grandes gaiteiros do país.
Neste período, ele decidiu revisitar o chamado "lado B" de sua obra, revendo canções que há tempos não encontravam a boca e o acordeom do intérprete. Com esta viagem musical ao passado, o artista começou a preparar o show que marcaria a sua volta. O repertório de O Que o Coração me Exige contou com canções intimistas, muitas delas vencedoras de festivais nativistas e com um significado especial em sua trajetória musical.
Borges estava no palco acompanhado pelos amigos e músicos Jonatan Dalmonte (bandoneón e acordeom), Leandro Rodrigues (violão de cordas de aço e acordeom), Neuro Júnior (violão 7 cordas) e Yuri Menezes (violão 6 cordas).
E empolgado como um guri, como falou com a reportagem à época:
— Fui aos poucos me adaptando, até adquirir total confiança. Pensei: esta é a hora, beirando os 70 anos, de me reinventar. Não preciso mais desse impressionismo. Posso tocar notas curtas, notas longas, notas que comuniquem melhor. Harmonia mais dedicada, um pouco, para poder substituir coisas na canção sem perder a condição que a canção te exige — pontuou.
Comemoração dos 70 anos
No dia 25 de março deste ano, Luiz Carlos Borges promoveu uma festança para receber os fãs em um dia inteiro de atividades dedicadas a celebrar os seus 70 anos de vida e 60 de carreira.
O evento, batizado de Chama-me Borges: O que Tem que Ser Dito, contou com 12 horas de programação, das 10h às 22h, com bate-papos sobre música, roda de chimarrão e shows no estilo canja, com nomes como Renato Borghetti, João de Almeida Neto, Daniel Torres, Shana Müller, Joca Martins, Érlon Péricles e Os Fagundes.
De sua trajetória, o músico se orgulhava dos laços criados com colegas da música nativista, alguns deles quase familiares, e do trânsito fácil que tinha com representantes de outros estilos musicais.
— Eu posso tocar com um "índio véio" do rincão a vaneira mais xucra possível e, saindo dali, tocar com Humberto Gessinger, com o Nenhum de Nós ou com uma escola de samba, como já toquei — orgulhou-se, na entrevista de março deste ano.
— A gente pode voar para onde quiser com a arte, desde que tenha um chão para pisar. Eu busco sempre manter um pé na raiz regional. O outro pé pode ir para onde quiser, mas um sempre estará ali. Esse é o cuidado que o Borges com 60 anos de música tem: manter o pé no chão e sempre deixar a sua marca aonde for — refletiu.