


A inflamação está ligada a doenças como obesidade e problemas cardiovasculares, mas especialistas alertam: nenhum alimento, isoladamente, é vilão ou salvador
Nos últimos anos, multiplicaram-se nas redes sociais as promessas de dietas e produtos capazes de "desinflamar o corpo". Embora a ciência avance no entendimento do tema, muitas dessas estratégias ainda carecem de comprovação. Mas, afinal, por que tanto se fala em inflamação?
"Está cada vez mais estabelecido o papel da inflamação no desenvolvimento de doenças, sobretudo cardiovasculares", aponta a endocrinologista Cláudia Schimidt, do Einstein Hospital Israelita.
Além do coração, o processo também tem sido associado a distúrbios metabólicos, como diabetes, e a alterações no funcionamento do cérebro. Contudo, não se trata de um episódio pontual, mas sim da chamada inflamação crônica de baixo grau ou subclínica. "Uma condição em que o indivíduo fica anos e até décadas exposto a um estado inflamatório leve, porém constante", observa Schimidt.
A liberação contínua de substâncias pró-inflamatórias interfere com a função do endotélio (o revestimento interno dos vasos sanguíneos), o que aumenta o risco de hipertensão arterial e aterosclerose. Também pode favorecer a resistência à insulina, um dos mecanismos que leva ao diabetes tipo 2.
"Fatores como tabagismo, sedentarismo, exposição a poluentes e consumo excessivo de bebidas alcoólicas podem propiciar essa inflamação subclínica", diz a nutricionista Helen Hermana Miranda Hermsdorff, da Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais.
A ingestão corriqueira de alimentos classificados como ultraprocessados também contribui para esse quadro. Estudos mostram uma relação da inflamação crônica com o excesso de produtos que concentram açúcares, gorduras saturadas e trans, bem como conservantes e demais aditivos.
A obesidade pode ser mais uma das causas. Isso porque a concentração de gordura na região abdominal, que fica entremeada nos órgãos, favorece a produção de hormônios e diversas substâncias, inclusive as pró-inflamatórias. Ali ocorre um recrutamento de células imunológicas, estimulando a liberação de citocinas, interleucina-6 e do fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), entre outras. "O tecido adiposo visceral não é apenas um depósito de gordura, ele apresenta algumas funções endocrinológicas e imunes", comenta a endocrinologista do Einstein.
Mas as inflamações fazem parte do funcionamento natural do corpo e têm papel essencial na defesa do organismo. "O processo inflamatório é fisiológico, acontece para a defesa contra micro-organismos, caso de bactérias", explica a especialista da UFV. Esse mecanismo também é desencadeado pela presença de substâncias tóxicas ou quando surge um machucado, por exemplo. "Dor, vermelhidão causada pela vasodilatação, inchaço e o aumento da temperatura local são sintomas", relata Hermsdorff.
Porém, esse conjunto de manifestações difere da inflamação de baixo grau, que não dá sinais e se desenvolve progressivamente a partir de um estilo de vida de vida pouco saudável e consequente ganho excessivo de gordura corporal.
Uma dica para frear as pequenas e constantes inflamações é incorporar hábitos saudáveis ao dia a dia. "Entre as estratégias há o controle do peso corporal, a prática regular de atividade física e a adoção de uma alimentação equilibrada", recomenda Cláudia Schimidt.
No caso da dieta, isso não tem nada a ver com planos que excluem itens ou consideram certos ingredientes como "milagrosos". "Não existe dieta anti-inflamatória, mas sim padrões alimentares que poderiam ajudar a reduzir a inflamação sistêmica", aponta a médica. Um exemplo é a Dieta Mediterrânea, que conta com hortaliças, frutas, grãos integrais, legumes, feijões, sementes, além de lácteos magros, pescados e azeite de oliva. É a junção dos alimentos e sinergia entre os compostos que colaboram para a "desinflamação".
A nutricionista da UFV enfatiza que, mesmo para ingredientes benéficos, vale atentar-se para exageros, já que excessos calóricos contribuem para o ganho de peso. "É importante adequar as quantidades de acordo com as necessidades e a condição de saúde de cada indivíduo", ressalta Hermsdorff.
E, ainda que as redes sociais coloquem certos alimentos como “inflamatórios”, essas alegações carecem de evidências científicas. O leite, por exemplo, só deve ser retirado do dia a dia com aval de médico ou nutricionista e em situações como as de intolerância à lactose ou alergia à proteína láctea. O mesmo vale para o glúten — a restrição só é necessária aos pacientes celíacos e aos intolerantes. Não existem evidências robustas de que o pãozinho ou o macarrão inflamem o corpo.
Por falar em pães e massas, a sugestão é caprichar na escolha das fontes de carboidrato, nutriente indispensável, como reforça um estudo publicado em julho no periódico científico Current Developments in Nutrition. Foram usados dados de mais de 2.225 participantes, e observou-se que entre os que priorizam cereais integrais e seus derivados, a tendência era apresentarem menor quantidade de biomarcadores de inflamação.
Ao optar por versões integrais e consumir regularmente outros itens ricos em fibras, a saúde intestinal acaba beneficiada. É fundamental cuidar da microbiota para evitar a chamada disbiose, um desequilíbrio dos micro-organismos que habitam o intestino, com maior quantidade de bactérias nocivas em comparação com as probióticas. Nesse cenário, ocorre um aumento da permeabilidade e substâncias inflamatórias podem ultrapassar a barreira intestinal, caindo na circulação e desencadeando inflamações.
O grupo de pesquisa liderado por Helen Hermana Hermsdorff, na UFV, constatou efeitos positivos de castanhas brasileiras – a do Brasil (ou do Pará) e a de caju – ao intestino. Por trás da atuação, destaca-se o mix de nutrientes, em especial o selênio, mineral antioxidante e anti-inflamatório. Vale salientar que, em um cardápio saudável, há lugar para castanhas — sem exageros.
Os ingredientes apontados como "milagrosos" contra a inflamação podem fazer parte de um contexto alimentar equilibrado, mas sem a esperança de que executem essa promessa. A cúrcuma, por exemplo, enche de sabor e cor diversas receitas e contém pitadas de substâncias que ajudam a combater inflamações. Mas sozinha não faz nenhuma mágica. Assim como gengibre, chia, mirtilo, alho e tantos outros, que só funcionam dentro de uma alimentação balanceada, e não de maneira isolada.
Já os suplementos só devem ser consumidos com recomendação de médico ou nutricionista. No fim, a melhor estratégia anti-inflamatória é apostar em uma grande variedade alimentar, ou seja, num cardápio colorido. A prática de exercícios, sono de qualidade e o gerenciamento do estresse são outros grandes aliados da saúde.