Por Leonardo Stoffels (*)
Um pensador dinamarquês disse uma vez que o amor verdadeiro é o amor pelos mortos. A visão de Kierkegaard não é de todo correta, afinal existem vários tipos de amor, mas ilustra muito bem a dificuldade de equilibrar o desejo com a realidade no homem. O que acontece é que a natureza nos deu uma condição sofrida em que desejamos intensamente aquilo que está distante de nós, seja algo que foi perdido, ou algo que ainda não foi encontrado, enquanto que o que está perto parece gerar apenas tédio, ódio ou mesmo indiferença. Estou me referindo ao amor egoísta, aquele que está a serviço do eu, e só existe à distância - tudo que o ego querer não está a seu alcance, e é isso que tanto nos faz sofrer. Quer ser feliz, destrua o ego! Mas esse não é um texto sobre felicidade, e sim sobre amor e morte.
Se você já perdeu um ente querido, então já sentiu como a morte, a ausência de um ser amado, nos torna mesquinhos. Passamos uma existência fingindo que somos imortais, nos preocupando com picuinhas e insignificâncias, o que resulta em um afastamento da própria vida. Aliás, se há algo que nos amedronte tanto ou mais do que a morte, essa coisa é a vida, pois dela estamos sempre fugindo. Quem sabe não seja a morte que nos assuste, mas sim a vida em sua finitude: saber que um dia nossos olhos estarão para sempre fechados, e que nossos corpos irão se decompor até não restar nada, a não ser a memória de quem fomos nos mente dos que ainda vivem.
Nunca estamos preparados para uma perda. Por sermos animais sociais, até certo ponto precisamos de outras pessoas para sobreviver, mas essa dependência não precisa tornar o outro como objeto de posse. É preciso aceitar que em nossa existência as pessoas vêm e vão. O antropólogo Norman O. Brown disse uma vez que a grande tristeza da vida começa quando somos bebês, ao percebermos que ver e comer são operação distintas. O que Brown quis dizer é que temos um impulso irresistível em se agarrar a tudo que aparece diante de nossos olhos, como se todo o universo tivesse sido feito especialmente para nós. Em nossa ânsia por sermos especiais esquecemos que o que importa mesmo são as coisas que estão além de nosso próprio umbigo. Afinal o que poderia ser o amor se não algo muito maior que nós mesmos?
A ideia de que não se deu valor ao ser amado enquanto este vivia, que vai de encontro ao pensamento de Kieekegard citado no primeiro parágrafo, é inevitável, pois não há como não desejar o que não se tem. Por mais que você ame seus pais, seus amigos, sua namorada, a sogra, o cachorro ou o dono do bar da esquina, se um dia você tiver o azar de estar diante de seus túmulos, inevitavelmente você pensará "eu deveria ter lhe abraçado mais enquanto estava aqui, eu deveria ter dito como eu me sentia em relação a isso e aquilo, eu deveria ter lhe aproveitado mais".
Mesmo assim nada te impede de dizer "eu te amo" para aqueles que estão entre nós. Amar quem está do nosso lado é uma tarefa que exige coragem. É preciso ir além da bolha do eu, aquele serzinho ingrato e exigente que acreditamos viver dentro de nós. Não há gratidão sem um pouquinho de esforço. E o amor exige entrega e desconforto. Vai lá, porque amanhã pode ser tarde demais, e o dia de finados é logo ali...
* Acadêmico do curso de Psicologia na URI-Santo Ângelo