


Entre os críticos de cinema, não se fala em outra coisa. Desde que estreou no 51º Festival de Cinema de Gramado, a série brasileira Cangaço Novo vem recebendo elogios do público e fazendo sucesso internacionalmente, chegando a ocupar o top 10 do Amazon Prime Video em 49 países, conforme dados do FlixPatrol.
O mérito é da produção, assinada pela O2 Filmes. Bebendo na fonte de clássicos do cinema brasileiro, como Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), Central do Brasil (1998) e Bacurau (2019), Cangaço Novo retrata o sertão nordestino de forma realista, incluindo cenas de ação, personagens complexos e uma trama que reflete sobre temas universais.
A seguir, elencamos três motivos para assistir a Cangaço Novo:
A história de Cangaço Novo cativa diferentes públicos porque, de um lado, conta uma história clássica sobre retorno para casa e, de outro, toca em temas sociais contemporâneos.
A trama gira em torno de Ubaldo (interpretado por Allan Souza Lima), um homem que retorna para sua cidade natal, no interior do Ceará, em busca de uma herança deixada pelo pai biológico. Lá, encontra suas duas irmãs: a agricultora Dilvânia (Thainá Duarte), que o recebe de braços abertos, e a bandida Dinorah (Alice Carvalho), que o repele imediatamente.
A relação de Ubaldo com a nova terra também é dúbia. Ao mesmo tempo em que se reconecta com suas origens, o protagonista se envolve com o crime organizado. Não demora para que ele passe a comandar assaltos a bancos, em grandes operações que aterrorizam moradores e sufocam autoridades de cidadezinhas da região — um tipo de ataque conhecido como "novo cangaço", que vem ocorrendo com certa frequência nos últimos anos.
A partir disso, a série discute as nuances do crime, retratando a desigualdade social e a pobreza do sertão, sem deixar de mostrar o entusiasmo de Ubaldo e Dinorah com a violência. Pois, para eles, a criminalidade é sobretudo uma herança. Um peso que tem também um preço, como indicam os títulos dos episódios.
Cangaço Novo não deve nada para produções hollywoodianas no quesito qualidade técnica. A direção fica a cargo de Aly Muritiba, que desponta no audiovisual brasileiro após assinar Deserto Particular (2021), representante do Brasil na disputa pelo Oscar 2022, e Fábio Mendonça, experiente pelo trabalho em séries como Destino, da HBO, e Pedro e Bianca (2012), da TV Cultura. A aposta dos dois foi no realismo: ou seja, tentaram mostrar a realidade da forma mais natural possível.
Por isso, a dupla dispensou o uso de estúdios e optou por passar mais de cem dias filmando em locações no interior da Paraíba. As gravações foram mais lentas e trabalhosas, conforme explicou Muritiba, mas propiciaram cenas eletrizantes, como a que os personagens fogem em carros em movimento.
"É muito diferente você estar dentro de um estúdio, dando tiro para cima, na carroceria de uma caminhonete, fingindo que está em movimento, da emoção do ator de estar em cima de uma caminhonete em movimento de verdade", exemplificou o diretor, em entrevista ao crítico Pablo Villaça. "Tem uma coisa emocional ali que bota todo mundo em estado de prontidão, alerta e tensão, que fica evidente no rosto dos personagens".
As cenas de luta também chamam atenção. São tomadas longas, sem muitos cortes, o que dá a ilusão de movimento. Há, inclusive, um assalto filmado em plano-sequência — técnica na qual a câmera registra a ação de uma sequência inteira, sem cortes.
As atuações de Cangaço Novo têm sido muito elogiadas pela crítica, especialmente a de Alice Carvalho, intérprete de Dinorah. Conhecida pela série Septo (2016), a atriz faz uso de "método", uma técnica de atuação na qual o ator pensa, age e se expressa como o personagem, mesmo quando não está filmando.
"Tinha uma cena que, enquanto a gente estava se preparando para filmar, ela ficava carregando pedra, para entrar em cena sempre exausta", contou Muritiba, na mesma entrevista. "Ela não finge exaustão, ela se exaure. Ela não finge raiva, ela se enraivece".
O elenco é diverso e reúne atores novos e velhos, experientes e novatos, de Estados diferentes — ainda que quase todos sejam da região Nordeste. Contracenam, por exemplo, a atriz paulista Thainá Duarte, conhecida pela série da Globo Aruanas (2019), e Marcélia Cartaxo, paraibana veterana, conhecida por ter protagonizado A Hora da Estrela (1985).
Essa dualidade é, afinal, o que marca Cangaço Novo. Uma trama de ação e de crítica social, com personagens que são bons e ruins ao mesmo tempo, e cujos dramas mais particulares dizem respeito a uma herança familiar que é tenra, mas também criminosa. Dualidade que pode ser entendida como contradição ou como as duas faces de uma mesma moeda.
Na repercussão, no entanto, Cangaço Novo não dividiu: agradou tanto a crítica quanto o público.