


Em três episódios, a obra se inspira nas denúncias reais de mais de 300 mulheres para retratar a queda de Abadiânia
Apesar de inspirar o nome da minissérie de três capítulos, João de Deus não passa de um mero coadjuvante da história. São as irmãs Cecília (Karine Teles) e Carmem (Bianca Comparato) e a adolescente Ariane (Maria Clara Strambi) as verdadeiras protagonistas de João sem Deus - A queda de Abadiânia.
Os episódios estão sendo exibidos no Canal Brasil, desde ontem (13/10). A série, produzida pela Ventre Studio, também está disponível no Globoplay.
Cecília e Carmem buscam a cura para um tumor no cérebro da personagem de Karine em Abadiânia, no entorno do Distrito Federal, onde o médium atendia seus fiéis, acreditando nos poderes de João Teixeira de Faria, 17 anos antes da prisão do médium. Mas enquanto a irmã doente sai do Brasil, abalada com a violência que sofreu, Carmem se torna braço direito do religioso e acredita na sua inocência.
Traumatizada, Cecília vê de Lisboa, em Portugal, as denúncias contra João de Deus pipocarem e resolve voltar ao Brasil para resgatar a irmã. Os conflitos do reencontro das duas ocupa a maior parte das cenas, enquanto a queda do médium é um plano de fundo para a história.
Desde o princípio, a premissa era justamente focar nas mulheres e não na figura do criminoso, que tem uma pena que chega a 489 anos de prisão. "É uma série que conta a história de três mulheres que representam a maior parte dos casos e das relações que as mulheres, em geral, tinham (ou têm) com João de Deus; no sentido de fé, de depositar nele esperança, de ter não só fidelidade mas uma crença incondicional nele; de ter sido abusada e de só perceber que tinha sido abusada pelo contato com o relato de outras mulheres", apontou a diretora Marina Person.
Apesar de inspirada em fatos reais, a série é ficcional. O que, a princípio, deixou a diretora com um pé atrás. "Quando se trata de uma ficção que tem tantas coisas na realidade, que são fatos terríveis e que envolvem a violência contra a mulher, eu, como mulher, fico receosa de dar um passo em falso, ser injusta, posso ferir alguém, passou muita coisa pela minha cabeça. Em se tratando de João de Deus, não era uma figura que me causava uma curiosidade em especial, eu tinha sim uma aversão a aquilo tudo, era uma figura abjeta e nesse sentido foi difícil pra eu entender o que é que poderíamos fazer com esse material e me envolver de fato com o projeto", revelou.
Durante o processo de produção, a diretora visitou Abadiânia na tentativa de tentar entender o que levava tantos fiéis ao local. "É um lugar de muita fé, apesar da figura dele que é complexa, para dizer o mínimo. Tem muita coisa ali que cheira a charlatanismo mas também tem muita energia. É inegável que tem um impacto em quem passa por ali. O que eu nunca tive foi a pretensão de discutir se João de Deus tem ou teve de fato o poder de curar pessoas", afirmou.
Para a construção das personagens, a roteirista Patrícia Curso conta que fez um mergulho nas denúncias das mais de 300 vítimas do médium, mas que preferiu não fazer nenhum tipo de entrevista em profundidade, para que Carmem, Cecília e Ariane não fossem inspiradas em um caso específico. “A gente sabe que foram mais de 300 mulheres, então achamos que a ficção seria uma forma de abrir mais e comunicar para mais mulheres do que escolher uma única história”, contou.
Além do estudo a partir dos depoimentos das vítimas e dos documentários que já foram feitos sobre o caso, o projeto também possui o acompanhamento da Bem Querer Mulher, organização de acolhimento integral a mulheres que sofrem violência, para a leitura sensível dos roteiros e apoio presencial no set durante as filmagens das cenas mais delicadas.
Desde a concepção da minissérie, a ideia era trazer as mulheres para o papel principal e deixar de lado a ideia de que o criminoso ocupa lugar central, contrariando diversas produções do gênero true crime que conquistaram o público nos últimos anos. "Isso para mim era quase uma condição. Eu não queria que o protagonista criminoso tivesse um fetiche ao redor dele e ele se tornasse a pessoa mais interessante da série. Isso nos guiou desde o começo", apontou a roteirista.